Mesclando ficção com uma perspectiva do real, Rama Pankararu convida o espectador a ficar imerso na realidade dos Pankararu, no sertão de Pernambuco. Com um clima que junta investigação, romance e o desvendar das camadas de suas personagens, o longa-metragem acerta ao conseguir equilibrar os seus elementos discursivos, técnicos e de transmissão das emoções, principalmente pelo tanto de informações que o mesmo traz para a narrativa.
Assim, durante 98 minutos, o espectador acompanha a vida de duas mulheres de mundos completamente distintos, que se encontram e se unem por uma causa em comum. Bia (Bia Pankararu) e Paula (Tássia Leite) pertencem a universos diferentes e elas ganham voz, mas sem perder de vista a luta pertence a Bia. Ela é a voz e a representação dos Pankararu em formato de protagonista.
Ainda assim, o longa explora a química entre a dupla. Não há pressa em colocá-las como um casal, tampouco o foco central é perdido por conta disso. Na verdade, a obra entrega esta parceria delas progressivamente e com atenção aos detalhes, deixando pistas do enlace das duas lentamente. Este fato também é um registro importante da personalidade de Bia, uma mulher indígena, militante e LGBTQIAP+, que pega emprestadas as características da Bia da “vida real”, fazendo com que a Bia “ficcional” seja tão cheia de características ricas em sua construção.
Para além dos traços da personalidade da personagem, Bia, que estreia como atriz nesta produção, conta com um recurso inteligente para deixar fluída e orgânica a sua atuação. Através do método das ações físicas, Bia Pankararu imprime uma espécie de naturalidade cotidiana ao seu texto, deixando os “bifes” mais longos palatáveis, dinâmicos e críveis. Na realidade, esta noção do uso das ações está presente no elenco inteiro.
Esta estratégia é inteligente, porque a maior parte do elenco é formada de não atores. Ao dar atividades práticas para cada intérprete – atender o telefone, enquanto calça a meia, catar grãos em uma vasilha etc -, o público ganha cenas com organicidade e fé cênica, mas também consegue adentrar com maior força na rotina das personagens. Neste sentido, esta é a maior qualidade do filme: inserir quem assiste de forma profunda no enredo, através de escolhas simples e não pretensiosas.
E é justamente por existir tanto contexto, que a direção sóbria de Pedro Sodré se sobressai. A câmera é registro e memória da luta de um povo e quando a produção se aproxima do documental, é possível ver algo mais cru, que tem foco em revelar, na verdade, as dimensões dos protestos ou de como, por exemplo, as escolas incendiadas ficaram. Mas, quando o direcionamento é o íntimo de Bia e Paula, a direção, ainda que permaneça sóbria, direciona o olhar do espectador para as emoções da dupla.
Existem poucos movimentos de câmera e o tempo dos planos são mais demorados. Um exemplo é a cena do jantar entre Bia e Paula. O quadro fica no rosto de Paula, quando Bia pergunta se ela não quer ficar mais. Logo, fica subentendido o flerte. Os signos e significados construídos por esta dinâmica de Sodré são amplificados. Inclusive, esta é uma sequência difícil, porque Bia possui um texto extenso, mas a própria paquera dela com Paula e a duração de cada frame conferem um tipo de respiro, que alivia o peso deste momento.
O único problema de Rama Pankararu é a ausência de know-how para concluir o enredo. No final do terceiro ato, após a briga de Bia e Paula, os acontecimentos chegam truncados e a própria resolução do conflitos entre elas chega com uma saída abrupta, que deixa os instantes derradeiros da projeção um pouco artificiais. Talvez este embate do casal seja importante, porém a condução foi solta, deixando até algumas sequências repetitivas.
Isto não compromete de forma total o longa, mas a conclusão poderia ser um pouco mais firme. Mesmo assim, Rama Pankararu é forte, criativo, honesto em sua proposta, de grande relevância discursiva, mas também um cinema cuidadoso, mas sem pretensão.
Direção: Pedro Sodré
Elenco: Bia Pankararu, Tássia Leite
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