A infância é um tempo tido como especial, no qual as nostalgias habitam. Este também é um momento em que, talvez, as pessoas mais precisem de guia e proteção. É ali que se aprende o certo e o errado e se faz necessário o amparo diante de problemas. Isto, porque, teoricamente, as soluções ainda não foram ensinadas. Esses pensamentos podem vir recorrentemente enquanto a projeção de Pixote – A Lei do Mais Fraco acontece.
Dirigido por Hector Babenco (Carandiru), o filme é baseado no livro Pixote – Infância dos Mortos, de José Louzeiro. No enredo é mostrada a trajetória de um garoto de 11 anos, que entra na vida do crime, passando por um reformatório, fazendo parte de uma espécie de gangue e cometendo todos os tipos de delitos possíveis. O tempo inteiro, a obra deixa esta sensação amarga de quem é aquela personagem ilustrada na tela: uma criança, mas que está à margem. Os seus sofrimentos são revelados, mas também as suas forças e seus ímpetos de coragem para continuar sobrevivendo naquela realidade injusta e cruel que reside.
Sempre que o local da infância surge como um lampejo, vem a quebra para os atos de Pixote (Fernando Ramos da Silva) e de seus amigos, também menores de idade, que deveriam estar protegidos e não subjugados, porém que precisam continuar neste embate por suas próprias existências. Estes elementos são fomentados pela técnica, que eleva a potencialidade da narrativa, através de enquadramentos que traduzem os sentimentos das personagens, como na cena de Pixote com Lilica (Jorge Julião) na praia. O público se depara com um momento de lazer deles, mas também do constante lembrete de que a dupla está sempre em tensão. O quadro traz eles um do lado do outro, mas contemplativos, em alguns momentos dos diálogos, como se mesmo que sempre buscassem escapar isto fosse impossível.
A iluminação também contribui para as atmosferas criadas, principalmente quando eles estão no reformatório. É como se a luz sempre informasse os estabelecimentos de poder e/ou ações dentro das sequências. Há o contraponto do que poderia ser visto ou não neste jogo e também nas sugestões de suspensão e relaxamento, diante do que ocorre no longa. Um exemplo do ápice desta característica é a cena em que alguns garotos são levados de carro para longe e dois deles são assassinados. O que é visto ou não provoca sensações. A dúvida do que está por vir também enerva quem assiste aos fatos, justamente porque há esta composição feita com as sombras e a luminosidade, além do som e das vozes que sugerem mais do que expõem com obviedade.
Por fim, em termos positivos, pode-se destacar três figuras do elenco que trazem composições equilibradas e que conseguem jogar em cena com os jovens intérpretes, fazendo as atuações deles crescerem. São eles: Tony Tornado (Rei do Rio), Marília Pêra (Central do Brasil) e Elke Maravilha (Zuzu Angel). São figuras ficcionais que trazem um peso e marcas consigo. Além disso, eles, cada um de seu modo, infligem pressão e certo temor para as crianças, evocando um ar de distanciamento, principalmente em gestos contidos que explodem e em olhares fixos.
Há, no entanto, um incômodo que perpassa a produção. Quando é preciso se fazer as transições de fases que Pixote passa (entrada no reformatório, fuga, encontro com Cristal etc) há sempre uma queda rítmica e certa demora para a liga da história retornar. Entre as perdas dos companheiros, por qualquer que sejam os motivos, a força do papel principal vai se esvaindo, quando ele deveria segurar o que já havia sido construído.
Direção: Hector Babenco
Elenco: Fernando Ramos da Silva, Marília Pêra, Tony Tornado