Entrevista (XIII Panorama): Juliana Rojas e Marco Dutra, de As Boas Maneiras

Na abertura da 13ª edição do Panorama Internacional Coisa de Cinema, que acontece em Salvador e Cachoeira entre os dias 08 e 15 de novembro, foi exibido As Boas Maneiras, que já passou pela recente edição do Festival do Rio e pelo Festival de Locarno, angariando alguns prêmios. Os diretores e roteiristas do longa Juliana Rojas e Marco Dutra estiveram em Salvador para promover o filme e participar dos debates após a sessão.

Aproveitamos a oportunidade e conversamos brevemente com os realizadores sobre o filme, suas carreiras e sobre a recente leva de filmes de terror. Confira abaixo o nosso bate-papo:

Coisa de Cinéfilo: Em As Boas Maneiras vocês têm como questão norteadora da história a gravidez de uma das personagens. Inevitavelmente irão surgir paralelos entre o filme e O Bebê de Rosemary do Roman Polanski no público que se deparar com a sinopse do filme. Como vocês enxergam essa comparação?

Juliana Rojas: O Bebê de Rosemary não foi uma referência direta para o filme. Acho que uma das principais inspirações foi uma peça do Brecht chamada O Círculo de Giz Caucasiano na qual ele discute a maternidade adquirida, a adoção e a biológica. Esta foi uma das inspirações para nós. Eu entendo que as pessoas estabeleçam essa relação com o filme do Polanski porque tem uma gravidez e é um filme de horror, mas acho que vai para um caminho totalmente diferente porque o As Boas Maneiras é um longa que fala de uma relação com essa criatura que está sendo gestada por uma das personagens e é um filme sobre concessão de maternidade, sobre um afeto. O Bebê de Rosemary é mais um filme de paranoia da personagem sobre a própria vivência dela, do que a cerca. O filme do Polanski é muito interessante mas o público vai perceber que ele trabalha com outras questões. Não foi uma das nossas principais referências.

Coisa de Cinéfilo: Vocês estão voltando a trabalhar juntos com As Boas Maneiras. O que existe nesse projeto que fez com que vocês se unissem novamente? Como ele foi pensado?

Marco Dutra: Esse filme é anterior aos filmes que fizemos separadamente. Começamos a discuti-lo na época do Trabalhar Cansa. Eu compartilhei um sonho que tive com a Ju, era uma imagem de duas mulheres cuidando de um bebê num lugar isolado. Nós discutimos um pouco essa imagem e a vontade de fazer um filme sobre maternidade, sobre a relação dessa família estranha, do que seria esse bebê. As ideias foram desenvolvidas até virar esse filme. A primeira versão era bem diferente, mas as ideias base da história que a gente vê hoje já estavam lá. Conforme a gente se envolvia com outros filmes, a Ju com o Sinfonia da Necrópole e eu com Quando eu era vivo O Silêncio do Céu, nunca paramos de desenvolver o roteiro e captar dinheiro pro As Boas Maneiras. Foi um filme que levou tempo, tivemos co-produção com a França… Então o tempo de gestação foi longo, mas foi uma ideia que surgiu quando fizemos o primeiro filme juntos a partir desse sonho que eu tive.

Coisa de Cinéfilo: Vocês têm sido apontados como referência para uma nova geração no gênero, sobretudo quando ele estreita essa relação com a crítica social. A gente vem numa crescente de títulos que conseguiram êxito internacional nesse sentido, como a própria obra de vocês, recentemente o Corra! do Jordan Peele… A que vocês atribuem esse movimento e como vocês percebem o cinema que fazem nesse contexto?

Juliana Rojas: Eu acho que o horror existe desde o cinema mudo e sempre vai existir. Tem um fascínio humano por isso, por sentir medo, por investigar a morte, o sobrenatural. Isso é meio o que mantém a gente vivo a isso, a nossa curiosidade. Acho que é da natureza humana se sentir atraído por esse tipo de narrativa. Mesmo antes do cinema tinha a literatura, os mitos e as lendas. No cinema tem os ciclos. Há momentos em que o gênero está muito em alta, depois ele é renegado e tratado como filme menor, daí volta a ter uma alta. É uma alta mais no sentido comercial do que no reconhecimento artístico porque o cinema de horror ainda sofre muito preconceito, como se não fosse propriamente cinema, mas “cinema de horror”. Acho que a gente está num ciclo de alta, um momento no qual os filmes estão muito populares. Você percebe isso pelo número séries de TV e filmes feitos e recepcionados. São os títulos que fazem grande sucesso. Então está sendo muito bom viver essa fase na qual o que a gente gosta de fazer tá sendo reconhecido. Espero também que seja uma fase que possibilite um fomento maior de produções brasileiras desse conteúdo para cinema e TV e que a gente fortaleça mais a nossa cinematografia de horror.

Créditos da imagem que abre a matéria: Divulgação (Patrícia Almeida)