Com o anúncio dos vencedores, o Festival de Cannes encerrou suas atividades no último domingo (25). O saldo das inúmeras sessões, coletivas e burburinhos de bastidores podem ser resumidos na seleção de destaques do evento que o nosso site fez. Entre filmes, interpretações e possíveis concorrentes em algumas das premiações do próximo ano (entre elas, o Oscar), há também os projetos mais conturbados e que tiveram uma recepção não tão amistosa assim no festival. Confira abaixo o que foi dito sobre o que e sobre quem em Cannes esse ano:
O vencedor da Palma de Ouro, Winter Sleep
O longa turco de Nuri Bilge Ceylan (3 Macacos) foi o vencedor da Palma de Ouro. O filme traz a história de um ator aposentado que administra um hotel junto com sua esposa e sua irmã. Subitamente, ele decide que deixará tudo e todos para trás. Antes do anúncio de sua vitória como melhor filme pela presidente do júri do festival, a diretora Jane Campion (O Piano), a produção ainda recebeu o prêmio da Federação Internacional de Críticos que, em comunicado oficial, disse que o longa “surpreende e encanta com sua profunda busca pela alma humana”.
Mommy e o ego de Xavier Dolan
Algumas bolsas de apostas davam como certa a vitória de Mommy, do canadense Xavier Dolan (Eu matei a minha mãe), no festival. O filme traz a história de uma mãe solteira e viúva que cria sozinha o seu filho, um garoto muito violento, e acaba conhecendo um vizinho misterioso que muda o rumo das suas vidas. O longa não saiu com a Palma de Ouro, mas venceu o Grande Prêmio do Júri ao lado do filme de Godard. Como sempre, o que acabou chamando a atenção dos veículos que cobriram o festival e trouxeram destaque a Mommy foi o comportamento do seu realizador. Xavier Dolan afirmou para alguns jornais que acreditava que receberia a Palma de Ouro por esse filme, o que foi interpretado como arrogância por muitos críticos.
O ano das mulheres
Com poucas diretoras em competição pela Palma de Ouro, os espectadores e críticos do festival foram surpreendidos com uma enxurrada de longas protagonizados por mulheres. A competição pelo prêmio de melhor atriz foi acirrada e os trabalhos de Marion Cotillard em Deux jours, une nuit , dos irmãos Dardenne, e de Hilary Swank em The Homesman, de Tommy Lee Jones, só para citar alguns, foram muito elogiados. No final das contas, a vitória foi de Julianne Moore em Maps to the Stars, de David Cronenberg. Provavelmente, ainda ouviremos falar muito desses desempenhos até a próxima temporada do Oscar.
Nicole Kidman exposta com Grace de Monaco
Uma das piores aberturas de Cannes. Uma ofensa a família Grimaldi que repudiou o projeto desde o início. Tudo isso foi dito de Grace de Monaco, longa que acompanha alguns meses na vida de Grace Kelly na época em que ela abandonou Hollywood e se casou com o príncipe Rainier de Monaco. A crítica foi impiedosa com o filme do francês Olivier Dahan (Piaf – Um Hino ao Amor), contestando a veracidade de determinados fatos narrados e ironizando o tom de conto de fadas da trama. Nicole Kidman esteve no fogo cruzado e saiu elegante dele. A australiana está mais do que acostumada com esse tipo de reação, afinal estar exposta a críticas com projetos arriscados é uma constante em sua carreira. Em alguns casos, ela se sai bem. Em outros, como esse, não. Fica para a próxima, Nic.
Mais uma vez Godard
Novo filme do veterano da Nouvelle Vague, Jean-Luc-Godard, Adieu au Langage foi recebido com emoção pelas plateias que conferiram as sessões marcadas para a obra. No entanto, como se trata de um trabalho de Godard, fica difícil saber se o longa corresponde à exaltação ou se ela é fruto da própria trajetória do cineasta, um dos mais reverenciados em seu nicho. Em todo caso, o longa recebeu o prêmio do Júri. E Godard, que não estava presente na divulgação do projeto no festival, enviou uma mensagem a todos por vídeo anunciando o filme como “o melhor da sua carreira”. O longa conta a história de uma mulher casada que começa a se relacionar com um outro homem e vive em meio a encontros e desencontros com esse amante.
Bennett Miller e Foxcatcher
Tido pela imprensa como o primeiro sério candidato ao próximo Oscar, Foxcatcher rendeu ao seu diretor Bennett Miller (Capote e O Homem que Mudou o Jogo) o prêmio de melhor diretor no festival e uma série de elogios a performance de seu trio de atores Chaning Tatum, Mark Ruffalo e Steve Carell, esse último (irreconhecível com uma prótese no nariz), pode ser favorito a ator coadjuvante em algumas premiações. O filme conta o relacionamento do atleta de luta greco romana Mark Schultz (Chaning Tatum) com seu treinador John Du Pont (Carell) e seu irmão David Schultz (Ruffalo).
As reações mistas a Lost River, de Ryan Gosling
O debut do ator Ryan Gosling como diretor deixou impressões dúbias em Cannes. Algumas pessoas gostaram, mas houve até quem vaiasse o primeiro filme dirigido e roteirizado pelo ator, o bizarro Lost River. Tanto que a Warner, distribuidora que comprou os direitos do longa nos EUA antes mesmo dele ficar pronto, já teme pela sua carreira nos cinemas norte-americanos. Foi recomendado a Gosling fazer alguns cortes e o novato acatou. O filme acompanha a história de uma stripper (a atriz Christina Hendricks) que vai atrás do seu filho em um mundo paralelo ao que conhecemos.
A comédia romântica por Jessica Chastain e James McAvoy
Dividido em duas partes, The Disappearance of Eleanor Rigby traz a história da separação de um casal pela perspectiva dele (filme um) e dela (filme dois). O longa de Ned Benson esteve no último Festival de Toronto e arrancou aplausos, no Festival de Cannes então conquistou o aval definitivo da crítica para a empreitada. Tanto que, o “Midas” da temporada de premiações, Harvey Weinstein já está preparando suas armas para divulgar o projeto entre os membros da Academia de Hollywood, sobretudo pelo carro chefe da produção, a interpretação de Jessica Chastain, cada vez mais onipresente na produção cinematográfica atual. O longa foi considerado um frescor para um gênero extremamente banalizado pela indústria e subestimado pelo público, a comédia romântica.
Um brasileiro pela perspectiva de Wim Wenders
O olhar do diretor alemão para o trabalho do fotógrafo Sebastião Salgado em The Salt of the Earth (ou O Sal da Terra) foi consagrado na mostra Un Certain Regard. Com co-direção do filho de Salgado, Juliano Ribeiro Salgado, o documentário foi um dos destaques da seleção em meio a muitas ficções. A produção conseguiu ótimas críticas e deve fazer uma belíssima carreira em muitas praças de exibição mundo afora, incluindo o Brasil.
A tradição inglesa de Mike Leigh
Quando Mike Leigh (O Segredo de Vera Drake) chega em Cannes, sempre é apontado como um dos potenciais pontos altos do festival. Seu novo trabalho, a biografia Mr. Turner, narra a trajetória do excêntrico pintor inglês J.M.W. Turner, vivido por Timothy Spall, que, não por acaso, levou o título de melhor interpretação masculina dessa edição do evento. Além do roteiro (uma qualidade constante nos filmes de Leigh), o longa foi enaltecido por seu primor técnico. Pode fazer uma bela carreira nos EUA.