Dirigindo-se a um auditório cheio de indivíduos ávidos por uma resposta para seus problemas financeiros, Jordan Belfort oferece a cada um uma caneta e pede para que eles o convençam a comprá-la de alguma maneira. Belfort não ouve uma única resposta convincente, um fala sobre as qualidades estéticas do objeto, o outro fala sobre a sua durabilidade, mas nenhum deles lança a resposta que o jovem palestrante recém saído da cadeia e em condicional queria ouvir e que ele mesmo daria para a questão caso fosse indagado: “Compre a caneta porque você precisa dela!”. Essa sequência que encerra O Lobo de Wall Street traz a ideia que norteia toda a crítica à sociedade do consumo que Martin Scorsese, esbanjando a mesma vitalidade cinematográfica de alguns dos seus mais icônicos trabalhos, traz para um filme que não mede esforços ao mostrar o que existe de pior no ser humano, a sua ganância, moldada pela dependência por necessidades de consumo artificiais fabricadas por uma logística financeira que não poupa ninguém.
O Lobo de Wall Street traz a ascensão do jovem Jordan Belfort no mercado financeiro em Wall Street na década de 1980, logo após o fatídico episódio da “Segunda-feira Negra”, que fez a bolsa de Nova York despencar cerca de 500 pontos. Em meio a esse cenário, através de transações ilegais, Jordan consegue acumular uma fortuna, o que acaba chamando muita atenção para sua vida cheia de excessos e tornando-o a peça central de uma investigação promovida pelo FBI. Baseado nas memórias do próprio Belfort, Scorsese faz do longa uma narrativa episódica repleta de passagens do seu protagonista pelo mundo das drogas, dos crimes de colarinho branco, da prostituição e das festas cheias de ostentações e excentricidades, acompanhando todos esses relatos até a sua derrocada no início dos anos de 1990.
Diferente do que vêm se argumentando na imprensa norte-americana, O Lobo de Wall Street não é uma carta apaixonada de Martin Scorsese a indivíduos como Jordan Belfort, que não hesitam em cometer as maiores barbaridades em prol do benefício próprio e sequer demonstram um pingo de compaixão pelo próximo. A abordagem de Scorsese é expositiva, sem maiores interferências ou tentativas de sugerir conclusões para o seu espectador. A mensagem é muito mais sutil do que as aparências, o que o cineasta quer é através do exagero e da exposição ao ridículo dos seus personagens fazer o espectador refletir sobre a própria engrenagem de lucro, consumo e trabalho que acaba nos tornando escravos fora de si, indivíduos cegos, frios, incontrolavelmente repulsivos e sem freios. Não há adesão ou fascínio do diretor por aquele universo, muito pelo contrário. Scorsese acaba enredando o público nessa alegoria repleta de cores e atrativos para em seguida nos questionar: é por esse tipo de vida e por esse tipo de gente que vocês estão mesmo fascinados? Esse é o principal êxito de O Lobo de Wall Street.
Os personagens do filme são basicamente definidos por suas ações, indistintos em personalidade como uma manada de animais ensandecidos. Não há propriamente individualidades, mas o trabalho conjunto de um elenco afiado formado por Leonardo DiCaprio, Jonah Hill (os dois protagonizam uma das cenas mais absurdas já vistas no cinema e que envolve o efeito colateral de uma das drogas consumidas pela dupla), Margot Robbie, Matthew McConaughey (em participação espirituosa) e Jean Dujardin (o vencedor do Oscar por O Artista dando conta do recado). Scorsese conferiu um tom uníssono de histrionice que está à serviço da própria proposta da sua obra. Claro que Leonardo DiCaprio é o grande destaque por liderar essa embarcação que parece ter saído de um manicômio, mas não há construção individualizada de personagens multidimensionais já que todos tornam-se animais irracionais utilizando os mais baixos recursos para conseguir mais e mais dinheiro, mais e mais poder. Ou seja, mais uma decisão certeira na direção de Scorsese. Talvez a única distinção feita nesta seara seja para o personagem de Kyle Chandler, o agente do FBI que investiga Belford, não por acaso, um dos poucos corretor do grupo (aliás, uma interpretação subestimada e pouco comentada).
Sem querer parecer saudosista, os anos de 1970 e 1980, somando-se a essas décadas o brilhante Os Bons Companheiros, continuam sendo a melhor fase de Martin Scorsese. No entanto, O Lobo de Wall Street por manter diálogo com algumas das melhores obras do diretor ganha lugar de destaque na sua recente filmografia. Excessivo e sem concessões, Scorsese expõe o lado mais asqueroso do ser humano através do ridículo, da ironia, e não há nenhuma apologia a isso. Caso a pura diversão e a idolatria dos personagens dominem a plateia, sem a mínima reflexão sobre os seus atos, já não é mais problema do cineasta pois ele mesmo oferece mecanismos para irmos no sentido contrário. A adesão ou não ao estilo de vida de Jordan Belford é algo que não está nas mãos de O Lobo de Wall Street, que, por sinal, traz, através do humor, muito mais uma crítica a esse tipo de comportamento do que uma carta de amor incondicional aos seus principais agentes.