O propósito da diretora Karyn Kusama e da dupla de roteiristas Phil Hay e Matt Manfredi com The Invitation é bem claro. Esta trama de suspense sobre um grupo de pessoas convidado por um casal de amigos para um jantar aparentemente amistoso em sua casa quer tratar da proliferação de seitas religiosas pelo mundo e como elas encontram terreno fértil para distorção moral na dor e no desespero humano. O longa em questão gerou muitos comentários no Festival de Sundance em 2015 e só temos acesso a ele graças ao Netflix. Trata-se de um filme que se apropria da cartela de efeitos do seu gênero para criar um estado de tensão e paranoia crescente que serve aos claros e pertinentes propósitos do seu discurso sobre o tema que propõe debater.
Em The Invitation, o protagonista é Will (Logan Marshall-Green), um homem reconstruindo a sua vida ao lado da namorada Kira (Emayatzy Corinealdi) após trágicos acontecimentos no casamento com Eden (Tammy Blanchard). A ex-esposa o convida para esse jantar, que está oferencendo a outros amigos junto com seu novo companheiro, David (Michiel Huisman). Lá, Will começa a mergulhar em um poço de desconfianças e sentimentos intensos e conflituosos que o remetem a lembranças do passado. Enquanto os convidados são surpreendidos pelas revelações de Eden e David, Will vai conectando os estranhos acontecimentos que presencia nesse encontro de amigos que parece um tanto artificial.
Diretora de títulos de trajetória complicada, como Aeon Flux, no qual Charlize Theron dava vida a uma heroína originada em uma animação da MTV, e Garota Infernal, que trazia Megan Fox como uma colegial sedutora, Karyn Kusama faz um filme de decisões estéticas e narrativas menos extremas com The Invitation. O resultado dessa economia da realizadora e da sua atenção restrita ao programa de efeitos do gênero ao qual vincula o seu longa e à dinâmica dos personagens gera um filme marcado por decisões precisas e eficientes de direção. Kusama consegue encher o seu filme de tensão e manter o espectador atento e curioso aos estranhos acontecimentos observados pelo protagonista Will e que o levam a suspeitar que ele e seus amigos estejam sendo vítimas de uma grande conspiração orquestrada por Eden e David. Conversas em ambientes fora do campo de visão do protagonista, acontecimentos externos ao cenário doméstico, movimentos discretos dos personagens suspeitos, tudo isso é trabalhado com precisão cirúrgica por Kusama e gera um estado de tensão ascendente.
Contando com um elenco muito interessante e harmônico em cena, que reúne atores vistos em títulos independentes, como Emayatzy Corinealdi (de Middle of Nowhere, de Ava DuVernay) e Tammy Blanchard (de Reencontrando a Felicidade, de John Cameron Mitchell) ou em produções maiores, porém com papeis menores, como é o caso do protagonista Logan Marshall-Green (Prometheus) e Michiel Huisman (da série Game of Thrones), The Invitation é um filme que explora os efeitos perigosos de crenças religiosas de base duvidosa. Não à toa, o filme é ambientado em Los Angeles, cidade na qual já é de conhecimento geral a proliferação e aceitação de religiões como a Cientologia, seita cheia de mistérios seguida por um número cada vez maior de pessoas e com consequências sociais corrosivas, a principal delas, a dissolução de laços afetivos com não adeptos da religião fundada numa construção de temor sobre essas relações.
O desfecho de The Invitation é bem enfático no que os seus realizadores pensam a respeito do cenário que descrevemos anteriormente. Através dos eventos vivenciados na reunião de amigos Kusama e os roteiristas Phil Hay e Matt Manfredi dão uma dimensão do estrago que a multiplicação de episódios parecidos (metaforizados ou não) podem causar. E trata-se de uma “doença social” que encontra guarida quando estamos desarmados, fragilizados e nos toma de maneira silenciosa e sorrateira. Quando menos se espera, nos damos conta da aceitação numericamente volumosa das suas promessas de cura, paz e redenção. Por conseguir dar a dimensão de tudo isso, oscilando entre situações palpáveis ao caso explorado em sua história e suas possíveis associações, diretora e roteiristas constroem um filme muito estimulante tanto do ponto de vista sensorial quanto reflexivo.
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