O Festival Varilux tem continuidade em todo o país até quarta-feira (22) e aproveitamos a oportunidade para fazer algumas breves considerações sobre alguns títulos que estão em cartaz na sua seleção de 2016. Confira abaixo:
Lolo, o filho da minha namorada
Dir.: Julie Delpy
Mais recente empreitada de Julie Delpy como diretora, Lolo, o filho da minha namorada é, a princípio, uma comédia simples e sem maiores ambições sobre uma produtora de moda cuja relação amorosa com um homem provinciano é sabotada pelos planos diabólicos do seu próprio filho, um jovem e pretensioso artista plástico chamado Eloi, cujo apelido de infância é Lolo. Interpretando o centro dessa rivalidade masculina entre Dany Boon, intérprete de Jean-René pretendente da protagonista, e Vincent Lacoste, que dá vida ao rebento do título, está Delpy, que também assume a concepção criativa do longa como co-roteirista. Se a princípio o filme parece ao espectador um longa divertido em suas gags e situações familiares, com o tempo, as coisas não ficam tão engraçadas assim já que a plateia vai conhecendo mais a fundo a natureza do Lolo do título e percebe que o rapaz não tem redenção alguma e suas ações beiram a vilania sem freios. Em certos momentos, portanto, a comédia perde a sua graça dado o nível de perversidade do personagem de Lacoste.
Assim, Lolo, o filho da minha namorada, um filme que poderíamos taxar como levemente “bobinho”, se transforma em uma comédia de riso nervoso ou de completo estranhamento. Ao longo de uma hora e meia de projeção, o longa é marcado pelos planos diabólicos concebidos pela mente doentia de Eloi para separar a mãe do seu pretendente a padrasto em um clássico modelo de comédia de situação. Delpy aproveita o ensejo para tratar das fortes relações entre mães e filhos, do complexo de Édipo e da geração “estragada” pelo excesso de zelo representada pelo repugnante Lolo. Acontece que a própria interpretação de Vincent Lacoste acaba transformando o personagem no próprio foco de interesse do longa e tornando-o uma figura pesada, sombria e esquisita entre personagens tão solares e afetuosos como a Violette de Delpy e o pobre do Jean-René, interpretado na medida certa por Dany Boon. Perverso, narcisista e beirando a psicopatia, Lolo não consegue ter a simpatia do público em momento algum, tornando todas as cenas pretensamente cômicas do filme em momentos de profundo incomodo tamanha a frieza e inconsequência do rapaz em seus atos. É uma pena que Delpy não vá mais a fundo nas discussões que giram em torno desse personagem, o que o transformaria em uma figura mais complexa e faria com que essa estranheza ao longo de todo o filme se diluísse.
Os Cowboys
Dir.: Thomas Bidegain
Os Cowboys é representante de um tipo de cinema francês que não costuma ser muito associado às produções do país, mas que anda cada vez mais frequente por lá. O filme de Thomas Bidegain, estreando como diretor após roteirizar os longas de Jacques Audiard (O Profeta, Ferrugem e Osso e Dheepan) traz uma França que não é o cartão postal das produções de um cinema de arte hermético, tampouco das comédias populares. Assim como fez nos longas de Audiard, em seu próprio filme, Bidegain explora um lado pouco glamourizado da sua cultura, em uma história que se envolve com os problemas sociais e políticos decorrentes dos processos de imigração e como eles são convertidos no âmbito privado dos seus personagens, levando-os a conflitos e decisões extremadas. Em Os Cowboys, vemos um casal ser devastado após o desaparecimento da filha mais velha. A tragédia acompanha a família por anos e o patriarca não desiste da ideia de reencontrar a garota mesmo depois de saber que o seu sumiço tem relação com uma decisão dela mesma de mudar de nome e religião em razão do seu relacionamento com um mulçumano.
Da premissa inicial de Os Cowboys em diante, o que vemos é a persistência desse patriarca no resgate da filha e como esta vida dedicada a tal missão afetou o seu filho mais novo, que acaba sendo uma “mão amiga” para o pai nesta jornada. Intérprete de Alain, François Damiens se entrega no papel desse pai em frangalhos, mas o grande destaque do longa é o jovem Finnegan Oldfield, que carrega o filme no papel do “filho que restou” na família protagonista da fita. É na jornada deste último personagem que Bidegain concentra as suas atenções e ele faz isso de maneira muito interessante, possibilitando que o jovem Georges (Oldfield), chamado por todos de Kid, construa uma trajetória significativa na trama. O olhar de Bidegain para toda a sua história é seco e econômico, o realizador estreante faz um trabalho marcado pela lucidez ao evitar qualquer exibicionismo técnico, reservando ainda um tratamento respeitoso para os delicados conflitos culturais entre os franceses e seus imigrantes muçulmanos e sendo respeitoso com os dois lados da questão. Sem maiores estardalhaços, otimismos, mas profundamente sensível e atento na condução da trajetória do seu personagem central, Os Cowboys é um filme que trata dos nossos erros e acertos na vida e de como aprendemos com eles a sermos mais serenos e maduros. Enfim, trata-se de um filme marcado por um olhar sóbrio sobre a vida e suas relações humanas, não perdendo de vista ainda o afeto e o olhar solidário para as feridas e processos de aprendizagem dos seus personagens.
Abril e o Mundo Extraordinário
Dir.: Christian Desmares e Franck Ekinci
Baseado em uma HQ de Jacques Tardi, o mesmo responsável pelo material que deu origem ao filme As Múmias do Faraó, a animação Abril e o Mundo Extraordinário é ambientada em uma hipotética França de 1941 assolada por um atraso tecnológico decorrente das ações do governo contra cientistas, que pouco a pouco foram desaparecendo do mapa. Obstinada a procurar os pais, que têm o mesmo destino dos seus colegas pesquisadores, a jovem Abril não sabe, mas guarda uma poderosa informação que pode mudar o curso da humanidade. Junto com o gato Darwin e o novo amigo Julius, a garota deve reencontrar o avô, driblar a guarda do “império” e colocar as coisas de volta ao eixo.
A animação de Christian Desmares e Franck Ekinci é marcada por um cuidado e muita personalidade no traço do seu universo e dos seus personagens, o que tem sempre um efeito interessante em tempos de banalização da técnica do 3D nesse nicho de produção. A animação em 2D consegue construir com muita delicadeza seus cenários retrô futuristas, recriando Paris em detalhes criativos que no saldo fazem toda a diferença quando a gente vai avaliar nossa experiência espectatorial após a sessão. Como narrativa, o longa funciona para todas as gerações, ainda que em momentos específicos pareça dialogar com os pequenos apenas ou com o público adulto em específico. De uma maneira geral, no entanto, os realizadores conseguem encontrar um equilíbrio interessante no diálogo com os diversos espectadores que o filme acaba atraindo e lida, pontualmente, muito bem com temáticas interessantes e sempre pertinentes nesse tipo de material, a “distopia”: a importância dos avanços científicos na sociedade, mas também a urgência da imposição de limites aos mesmos.
La Vanité
Dir.: Lionel Baier
Tratando de um tema espinhoso como a morte através da polêmica da eutanásia, o singelo La Vanité é um filme de humor negro bastante sensível. O realizador Lionel Baier dirige e co-roteiriza, ao lado de Julien Bouissoux, um filme de apenas uma hora e quinze minutos de duração que opera pela lógica de uma montagem teatral com poucos personagens em cena e, basicamente, um único cenário. O filme traz a história de um homem doente que resolve contratar os serviços de uma agência especializada em eutanásia através de uma de suas funcionárias. Tudo é marcado em um hotel de beira de estrada e, em meio a confissões e inventários das suas próprias vidas, os dois resolvem chamar um jovem garoto de programa, que atendia alguns clientes no apartamento ao lado, para ser testemunha do ato.
Em seu breve conto, Lionel Baier quer tratar sobre a vida e sobre aquilo que dá sentido a mesma. O cineasta conta com a presença de atores do calibre de Patrick Lapp e Carmen Maura e nos agracia com a espirituosa interpretação de Ivan Georgiev, interessantíssimo como o garoto de programa Treplev. O mais interessante no resultado de La Vanité é que apesar de, como já mencionado, o filme funcionar sob uma lógica teatral, o realizador não usa isso como desculpa para se isentar da utilização consciente e inventiva da gramática cinematográfica, trazendo planos curiosos e fazendo da sua câmera uma poderosa ferramenta narrativa sempre em prol da temática que ele mesmo intenta explorar com seu roteiro.
Assista aos trailers dos filmes:
Lolo, o filho da minha namorada