Entre cortes descontínuos, repetições e riscos, Marie Kreutzer (O Chão sob meus pés) assume uma função um tanto complexa em Corsage: um olhar contemporâneo e mais realista para a Imperatriz Elizabeth da Áustria, mais conhecida como Sissi. No imaginário popular talvez exista uma construção da uma figura de Sissi como alguém doce e ingênua, elaborada por sua representação na série de obras que foram feitas a partir dos anos 1950.
Todavia, em Corsage é melhor que o público esqueça completamente a Sissi de Romy Schneider. Kreutzer aparente desejar realizar um oposto aqui, trazendo em seu longa-metragem uma mulher intensa e que se impõe na medida do possível, para seu tempo, mas também imprime este ser coberto de privilégios, egoísmos, rompantes e certo requinte de crueldade. Há uma complexidade profunda em Elizabeth, que é explorada em diálogos e ações da personagem durante toda a projeção.
Este é um dos pontos centrais do longa e o seu principal acerto. Há uma densidade na composição desta personagem, mesclando momentos nos quais o público consegue ter uma grande empatia por Sissi ou uma repulsa profunda. Kreutzer não tem receio de escrever sequências desconfortáveis e cheias de tensão. No entanto, é preciso ressaltar que esta não é uma obra completa ou perfeita. Longe disso. Pois, ao mesmo tempo em que todo um zelo estético é apresentado há uma insistência em permanecer na apoteose, que quebra a força das sensações que deveriam ser fortes.
Este fator é o que rompe com a fluidez da narrativa e pode deixar a sessão um tanto cansativa. Desde o início da projeção, antes que o público possa criar uma relação com a história ou com a figura central, movimentos e efeitos de câmera conduzem o espectador para uma sensação de clímax. Além disso, Marie Kreutzer opta por inúmeros cortes descontínuos, principalmente até a primeira parte da exibição. Esse caminho é o maior equívoco da produção.
Os conflitos e sentimentos de Sissi vão perdendo a importância, se dissolvendo com os saltos temporais e cortes bruscos. Assim, o plot e os subplots permanecem na superficialidade. Desta maneira, é possível enxergar qualidades em Corsage, mas também sentir grandes incômodos enquanto se assiste ao filme. Em seus pontos positivos é necessário reconhecer o talento da direção ao criar uma decupagem que está realmente à serviço da narrativa e que nos momentos apoteóticos potencializa as impressões de grandiosidade e intensidade de Elizabeth.
A interpretação de Vicky Krieps (Tempo) fomenta essa construção e, através de olhares e gestos preciso, humaniza a Imperatriz, elevando a aproximação do espectador com as emoções da protagonista, ainda que ela seja membro da nobreza – no pior sentido da coisa, com ímpetos de raiva ou falta de consideração, por exemplo. Assim, o lado negativo, que é a perda da coesão, fruto dos saltos temporais não amarrados, poderia ser salvo caso um fio condutor, uma ligação maior entre as sequências, fosse feito. Contudo, Corsage é uma sessão que já vale apenas pela desconstrução da figura de perfeição que está incrustrado na memória da sociedade quando o tema é Sissi.
Direção: Marie Kreutzer
Elenco: Vicky Krieps, Colin Morgan, Finnegan Oldfield
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