Procuro Teu Auxílio Para Enterrar Um Homem

Festival Cinepe 2023: Procuro Teu Auxílio Para Enterrar Um Homem

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“Este país é uma miragem”, diz Anderson Bardot no roteiro de seu novo curta-metragem, Procuro Teu Auxílio Para Enterrar Um Homem. Entre batidas de percussão, penumbra e uma imagem em p&b durante quase toda a projeção, o filme soa como um manifesto. A cor, por exemplo, somente aparece na libertação das suas personagens. Assim, esta ausência do colorido vem para retratar a opressão de uma sociedade transfóbica e excludente. Na sinopse, Bardot, que também dirige e monta a produção, informa que a obra se passa no Brasil de 1870.

Todavia, esta história é atemporal e quanto mais ela se mostra universal e sem demarcação de tempo, mais ela funciona na tela. Primeiramente, existe uma ausência de retratação fiel na cenografia e no figurino, que trazem um pouco de incômodo para o espectador. No entanto, é preciso ressaltar que esta falha do curta somente ficará mais intensa, podendo interferir na fruição, se a plateia tiver a consciência do período que Bardot quis mostrar. Do contrário, a narrativa cresce e tem a capacidade de causar um impacto maior no público.

Isto porque as dinâmicas sonoras e visuais trabalham para imprimir as sensações daquelas figuras ficcionais em quem acompanha aquela trama. Na decupagem há menos movimento de câmera e o foco fica com a mise-en-scène. Os movimentos do elenco e as proximidades dos mesmos entre si, fazem com que a suspensão se eleve. A atmosfera criada por Anderson Bardot é de mistério, de mundo das bruxas, do qual Gita faz parte e se coloca através dele para ter força para quebrar com um destino que parece ser inevitável.

O poder de Gita sobre seu futuro é reforçado progressivamente e reafirmado pela estratégia de retirar o preto e branco, colocando as cores nas sequências finais. É bonito de acompanhar a jornada deste heroína e de suas companheiras “bruxas” que, em uma espécie de ritual, vão quebrando a maldição do patriarcado repressor. Ainda que o curta seja um tanto pretensioso, pois se vale de complexidades demasiadas – técnica e discursos não tão deglutíveis, talvez? -, esta suposta prepotência se desfaz na qualidade do conteúdo em si, revelando como Bardot utiliza direção e montagem à serviço de seu roteiro.

A tecnicidade apurada não está ali somente para floreios, mas para fomentar as emoções discursivas e dos sentimentos das personagens. Desta forma, Procuro Teu Auxílio Para Enterrar Um Homem é visualmente impactante e constrói reflexões plurais. Mesmo sem o zelo de pesquisa maior da equipe de arte, o fato de ser no Brasil Imperial não importa tanto para o contexto convocado. Por isso, é no sensorial e visual que Bardot ganha qualidade para seu trabalho e faz com que a plateia, do início ao final da sessão, se conecte com aquele universo ficcional.

Direção: Anderson Bardot

Elenco: Erik Martincues, Guaja, Higor Campagnaro, Thelma Lopes

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