Eu Nunca Contei a Ninguém

Festival Cinepe 2023: Eu Nunca Contei a Ninguém

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Com uma equipe super enxuta, formada pelo quarteto Douglas Duan, Kadydja Erlen, Apollo Angelo e Gabriela Melo, a animação Eu Nunca Contei a Ninguém surpreende por sua qualidade técnica, mesclada ao tom sensível que emociona. Narrando a experiência de Luca (Apollo) e seu primeiro contato com uma morte na família, o curta-metragem consegue convocar um equilíbrio único entre realismo, metáforas e o lúdico.

Estes elementos todos se dão pela junção do universo do stop-motion – que foi todo feito com algodã0 -, que cria este mundo fantástico e imaginativo da criança, mas com interpretações na dublagem que carregam as tonalidades do realismo. Desta maneira, cria-se aqui uma atmosfera rica em sentido e enquanto o público investiga cada detalhe mostrado na tela, ele também passa a se emocionar com os pensamentos de Luca e sua visão sobre os adultos.

Este é o maior ganho do curta, o olhar cuidadoso e detalhista para cada elemento que está sendo posto em cena. A começar pelo roteiro, que convoca diálogos fluidos, sem exposição óbvia das circunstâncias, porém sem tentar esconder o que está acontecendo. Em poucas falas verbais, a plateia entende o protagonista e as pessoas que lhe cercam estão passando.

Há um tom adulto, que vem da escrita de Duan, mas com uma sensibilidade infantil – no melhor significado da palavra! -, carregando consigo uma espécie de pureza da infância. Este sentimento tão bonito, que se esvai com a dureza da vida adulta, continua com Douglas Duan de alguma forma.

Isto porque o artista capta esta imensidão, presente dentro da percepção que as crianças têm da vida, com propriedade, como na sequência na qual Luca está no carro e reflete sobre como os mais velhos mentem constantemente.

Outro fator tratado com zelo é a direção de arte e de fotografia, realizadas por Duan. Cenografia e figurinos estão em coesão com a iluminação, que trafegam pelas sensações da personagem principal, que vai da dúvida, passando pela empolgação, melancolia e mudança de estado (de tristeza para proteção).

O vermelho e seus tons próximos se fazem presentes durante toda projeção. Esta cor, que permeia a tela e toda mise-en-scène, mostra como esta é uma obra afetiva, que tem calor humano, saltando do ecrã. É uma produção sobre amor incondicional e cumplicidade. O rubro constante vem então fomentar esta emoção, que encontra com o azul claro persistente.

O azulado suave convoca o desalento da perda, juntamente com a serenidade de saber que somos eternos enquanto houver sentimento verdadeiro e possibilidade de reencontro. São notáveis também as atuações do elenco, formado por Douglas, Kadydja e Apollo, com destaque para o último citado, pois ele é um garoto de cinco anos, que demonstra em sua interpretação uma compreensão profunda sobre seu texto.

O artista mirim apresenta carisma, porém ele vai além disso. Apollo reúne a ingenuidade, que vem da sua própria fase de vida, com a firmeza de quem já tem certeza de tudo em tão tenra idade. Douglas e Kadydja ajudam nesta construção, mantendo a impressão de que desejam proteger e fortalecer os laços com este menino, que eles sabem que passa por um momento difícil.

São nas pausas e oscilações das vozes dos atores, que interpretam os adultos nesta trama, que a seriedade do que está ocorrendo é compreensível. Esta noção é colaborada pela montagem. O olhar do público é direcionado pelos cortes, que ampliam as definições do que está ocorrendo. Além disso, há um pequeno espaço criado entre um momento e outro, que pode ser ínfimo, mas que aumenta a criação narrativa, na cabeça de quem de assiste.

É como se existisse uma elaboração conjunta, na qual nem tudo é estampado no ecrã, porém é digerido e imaginado durante a sessão. E é por isso que Eu Nunca Contei a Ninguém contém maestria, entregando cinema de qualidade e arrancando algumas lágrimas dos mais sensíveis.

Direção: Douglas Duan

Elenco: Apollo Angelo, Kadydja Erlen, Douglas Duan

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