Coração da Mata

Festival Cinepe 2023: Coração da Mata

4.5

O Maracatu é um movimento cultural de Pernambuco, que surge no período de escravização e que se mantém firme na tradição pernambucana ainda na contemporaneidade. Apesar de tanto tempo de história, este permanece sendo um local ocupado quase que majoritariamente por homens. O que mudou um pouco desta realidade foi um grupo de mulheres que, desde 2004, se juntaram para fazer um grupo de Maracatu rural 100% feminino. É sobre quatro integrantes desta equipe artística que o documentário Coração da Mata se debruça.

Todavia, o grande ganho aqui é que a diretora, roteirista e produtora Camila Martins – que assina a escrita e a produção ao lado de Daniel Edmundson – vai além da questão cultural, que já é em si riquíssima. Camila abre espaço para a discussão de gênero, dando visibilidade para a história e as vivências de Tina, Sônia e Luiza, que são personagens cheias de pluralidades, mas que se unem através do amor pelo carnaval. A mescla de imagens do cotidiano delas, com as performances do Maracatu elevam a potencialidade da narrativa.

Há uma estratégia de aproximar os espectador contando detalhes íntimos sobre aquelas figuras, com menções sobre suas jornadas, desafios, sofrimentos e reflexões sobre a sociedade, fazendo com que o distanciamento com a plateia se reduza progressivamente. Ao mesmo tempo,  a qualidade técnica e o talento delas e suas companheiras de arte é acompanhado, através de sequências com as danças, movimentos e cortejo dos festejos carnavalescos. Neste sentido, existe um elemento que chama a atenção na direção de Martins.

A cineasta consegue provocar emoção e “manipula” este sentimento em quem assiste sob um olhar muito mais aberto e amplificado. Camila Martins parece evitar os closes, por exemplo, revelando na tela o espaço onde estas mulheres vivem, transitam, costuram, cozinham, dançam e celebram a vida. O contexto geral é o mais essencial neste cenário, para que esta conexão com as personagens se firmem e não abandonem mais o público. Dentro deste universo, a equipe do documentário conta também com o carisma e a disponibilidade das personagens.

Elas se expõem e marcam a presença delas com falas conscientes, como no discurso sobre os homens não deixarem elas terem o protagonismo, colocando-as apenas para costurar e cozinhar. As tarefas são dignas, obviamente, mas é notável a angustia deste grupo em querer a chance da escolha, pois elas repetem diversas vezes “lugar de mulher é onde ela quiser”. Assim, seja em suas profissões, casas ou hobbies, a mensagem deste grupo de Nazaré da Mata é simples: elas existem, resistem e vão ocupar os espaços que desejarem, não importando os olhares masculinos de opressão.

Por conseguir retratar tão profundamente os sentimentos e lutas de um mundo corroído por tensionamentos diários das integrantes femininas de um movimento cultural tão importante para os pernambucanos, sem perder a poesia e a beleza imagética do Maracatu, que Coração da Mata se torna um belo trabalho, que emociona, cativa e faz o coração disparar, aquecido pela presença destas personagens tão intensas e pelas cenas cheias de figurinos bonitos e expressões artísticas bem performadas.

Direção: Camila Martins

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