Vidro

Crítica: Vidro

Em novembro de 2000, o público foi introduzido a um universo de super-heróis nada convencional. Corpo Fechado trouxe um olhar único para o subgênero – o qual, atualmente, detém a maior arrecadação do cinema. M. Night Shyamalan criou uma alternativa para a mesmice das produções heroicas. A proposta inovadora de trazer uma história de super-herói envolvida por uma narrativa de suspense, com diálogos profundos e jogos de inteligência elevou o longa-metragem a um lugar de destaque na época.

Apesar dessa estrutura inteligente e bem elaborada feita por Shyamalan em Unbreakable (título original), foram necessários 15 anos para que o diretor tivesse a chance de iniciar o projeto que daria continuidade ao seu universo. Kevin Wendell Crumb e suas 24 personalidades foram o foco central de Frangmentado. Lançado em 2016, o terror psicológico tinha por objetivo ser a sequência do suspense estrelado por Bruce Willis e Samuel L. Jackson. O sucesso do segundo longa foi tamanho que concedeu a chance de ser feito um capítulo final para a trilogia do Eastrail 177, o filme Vidro.

Há uma semana, os cinemas do mundo começaram a exibir a conclusão da história de David Dunn, Elijah Price e Kevin Wendell Crumb. Vidro representa o fechamento de um ciclo de filmes que durou 19 anos. A criação de uma só narrativa que englobe as distintas facetas dos dois primeiros longas foi, sem dúvida, um dos maiores desafios do criador da trilogia. Esse é, inclusive, o tropeço de Glass (título original). Mesmo com uma estrutura ainda envolvente, o novo filme acaba perdendo algumas das qualidades destaque de seus antecessores – como a sutileza e inteligência dos diálogos e a tensão cena após cena.

Depois de fugir das autoridades após o incidente do zoológico, Kevin Wendell Crumb (James McAvoy) se tornou conhecido por todos – inclusive por David Dunn (Bruce Willis) – como um assassino psicótico. O vigilante passou os últimos 18 anos combatendo crimes e agora seu objetivo é deter a Fera. O confronto entre o homem inquebrável e o mestre da Horda resultará na prisão dos dois. Agora, os indivíduos super-humanos estarão lado a lado com outro notório vilão, o senhor Vidro (Samuel L. Jackson), presos numa instituição psiquiátrica do governo. O que parece ser um confinamento para segurança pública se mostrará como um plano muito maior do sr. Vidro que levará essas três super personalidades à um embate final.

Os trabalhos do diretor e roteirista M. Night Shyamalan costumam dividir opiniões, contudo, é indiscutível perceber os traços originais dele como diretor. Seus trabalhos normalmente são bastante experimentais. Shyamalan não hesita ao inovar com posicionamentos de câmera inusitados, enquadramentos incomuns e iluminações de cena bem marcantes. Seus melhores trabalhos imprimem características únicas e essa singularidade é a sua marca registrada. Vidro, contudo, não se encaixa perfeitamente nessa descrição. O novo longa-metragem perdeu alguns dos traços fundamentais que marcaram os filmes que lhe antecederam. A fórmula encontrada para apresentar Glass ao público é muito mais próxima dos filmes genéricos de super-heróis do que da própria obra de Shyamalan.

Além da direção que acabou tendo algumas perdas, o roteiro foi quem mais sofreu nesse capítulo final. Os brilhantes diálogos de Corpo Fechado e a estrutura genial de Fragmentado deram espaço para falas mais rasas e uma narrativa um tanto previsível. O resultado da união dos universos de Dunn e Crumb foi precário. Fica evidente em alguns momentos a tentativa de retratação do diretor com sua própria criação – como em algumas cenas muito bem filmadas ou através de um plot não muito inovador, porém corretamente construído e apresentado. A sensação é que o próprio diretor vivia num embate interno ao elaborar essa convergência de mundos.

Independente das falhas contidas no roteiro, o elenco foi o ponto forte da trama. As performances se mantiveram com qualidade – apesar dos diálogos fracos – e isso ajudou a conduzir o longa a um caminho mais digno para sua finalização. Bruce Willis, Samuel L. Jackson e James McAvoy vestiram a camisa de suas respectivas personagens muito bem nesse momento de despedida. Os olhares insanos de Jackson, a presença de Willis e a desenvoltura performática de McAvoy mantém a atenção do espectador e conseguem até fazer com que o ele esqueça alguns defeitos já ocorridos. Os componentes coadjuvantes marcam também sua participação revivendo suas personagens e a presença de Sarah Paulson como a psiquiatra acrescentaram o desenvolver das cenas.

A despeito de todos os deslizes, Vidro já arrecadou mais que 5 vezes o valor de seu orçamento só na primeira semana. A crítica não ficou muito contente com a conclusão dessa história, mas as manifestações do público pelas mídias digitais e a arrecadação do longa discordam. Glass está se mostrando como mais um filme polêmico de M. Night Shyamalan, onde a crítica o nega e o espectador, abraça. Seja como for a avaliação dada para a performance do longa, a proposta alternativa dos super-heróis acaba com um questionamento: será que podem existir mais super-humanos? Eis que essa pergunta pode ser a fonte de novas produções. Só o futuro – e a bilheteria final – dirá se ainda veremos mais da trilogia Eastrail 177.

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