Uma Família Feliz

Crítica: Uma Família Feliz

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Uma Família Feliz é o tipo de filme que tem todos os elementos que prometem levá-lo ao êxito. O projeto parte do argumento e do roteiro de Raphael Montes, um dos jovens escritores brasileiros mais celebrados dos últimos tempos. A direção é de José Eduardo Belmonte, diretor que tem no currículo filmes com boa repercussão como Alemão e Se nada mais der certo. Além disso, no elenco da produção estão Grazi Massafera e Reynaldo Gianecchini, duas das maiores estrelas do nosso país. Todos esses talentos são reunidos para contar uma história com elementos de páginas policiais sobre uma família perfeita cujo cotidiano é abalado pela suspeita de que Eva, personagem de Massafera, tem agredido seus filhos.

O caso de agressão doméstica ganha uma repercussão inesperada. A personagem de Grazi passa a ser hostilizada pelos vizinhos quando a vida privada da família repercute em aplicativos como o Whatsapp. Ao mesmo tempo, no âmbito privado, toda sorte de sentimentos positivos e a cumplicidade do casal cede espaço para desconfianças. Além de Vicente (Gianecchini) não ver mais a esposa com os mesmos olhos, ela passa a devassar a vida pregressa do marido e começa também a levantar suspeitas sobre o tratamento que ele dispensa aos filhos. Seria ele o agressor das crianças e não Eva?

A premissa de Uma Família Feliz é bastante promissora e, até certo ponto, a condução do filme é feita com competência. Belmonte consegue trazer para a história uma atmosfera de desconfiança crescente sobre a índole dos personagens de Massafera e Gianecchini, algo que instiga o espectador e o faz oscilar entre suspeitas que recaem sobre ambos. Por exemplo, em determinado momento da história, é interessante o uso que Belmonte faz de câmeras de segurança para acompanhar as investigações que a personagem de Grazi empreende na rotina do marido. Acontece que todos os esforços do projetos são sabotados pelas decisões tomadas pelo roteiro no terceiro ato da história.

Uma Família Feliz

O grande problema de Uma Família Feliz reside nos seus trinta minutos finais. Quando o roteiro de Montes responde suas grandes interrogações, as soluções oferecidas são frustrantes. Toda a promessa de entrelaçar a trama com a dimensão sociológica da história, pautando temas como abuso doméstico, a hipocrisia da “família tradicional brasileira” que esconde toda sorte de “podres” pessoais por trás de um verniz cheio de valores, a paranoia no cotidiano dos condomínios de classe média alta e a cultura do linchamento virtual é diluída em prol de resoluções simplistas que levam o público ao arquétipo do “vilão psicopata”, a encarnação de um mal intangível que contrasta com toda a abordagem do terror do cotidiano desejada pelo projeto até então. No fim das contas, o desfecho de Uma Família Feliz só serve para evidenciar lacunas a respeito de questões levantadas ao longo da trama, a principal delas, o passado do personagem de Reynaldo Gianecchini.

Diante da autossabotagem do roteiro de Montes, Massafera e Gianecchini são prejudicados em um trabalho que até os minutos finais demonstrava ser correto.  Uma Família Feliz não é um bom momento para ambos. Gianecchini torna Vicente um sujeito apático, ausente da dubiedade que seria fundamental para o personagem. Por sua vez, Grazi Massafera é quem mais sai perdendo em toda essa história. Durante boa parte do filme, Massafera conseguiu lidar muito bem com a paranoia que se instala no cotidiano da sua personagem, assimilando sentimentos opressores como a culpa. No entanto, conforme a trama de suspense de Uma Família Feliz encontra seu desenlace, a performance da atriz sobe o tom, frisando ainda mais o quanto esse projeto se distanciou das suas instigantes pretensões iniciais.

Quando as “peças” do “quebra-cabeças” de Uma Família Feliz são colocadas em seus respectivos lugares, as coisas naquela trama ainda soam como desencaixadas. No lugar de um suspense que serve como crítica social, pois é assim que Uma Família Feliz foi anunciado para o público, o espectador recebe um suspense de resoluções rocambolescas. Nada contra, mas não pareceu ser esta a pretensão inicial do longa. É uma pena.

Direção: José Eduardo Belmonte

Elenco: Grazi Massafera, Reynaldo Gianecchini, Luiza Antunes

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