Um Inverno em Nova York lança uma “tese” para o espectador no seu título original (The Kindness of Strangers, no português A Bondade de Estranhos) que será desenvolvida pela cineasta Lone Scherfig ao longo do filme. Para Scherfig, em metrópoles como Nova York, formada por recém-chegados em constante dificuldade para sobreviver, cada um desses indivíduos conta com ajuda uns dos outros. Integram a trama da diretora uma jovem fugindo com os filhos do marido agressor (Zoe Kazan, de Doentes de Amor), uma enfermeira que se dedica a terapias em grupo (Andrea Riseborough, de Mandy), um imigrante que trabalha na cozinha de um hotel (Tahar Rahim, atualmente em O Paraíso e a Serpente) e um rapaz que vive de bicos após perder o emprego (Caleb Landry Jones, de Três Anúncios para um Crime).
A diretora propõe uma história multitrama nos moldes de Robert Altman com uma narrativa sem um grande protagonista e com tramas que se conectam impulsionadas pela grande temática do longa. Trata-se de uma novidade na carreira de Scherfig, que oscila entre obras inspiradas como Educação, longa que revelou em 2009 a atriz Carey Mulligan, e títulos medianos como o romance Um Dia de 2011 com Anne Hathaway no elenco. Talvez, Um Inverno em Nova York seja o ponto mais baixo do seu currículo.
O longa aborda temas delicados como a situação da população sem-teto da maior cidade dos Estados Unidos, além da violência doméstica, motivo o suficiente para potencializar na obra uma atmosfera pesada. Scherfig procura suavizar a tensão desse contexto, o que é uma intenção até positiva da realizadora. No entanto, a maneira como ela faz isso em Um Inverno em Nova York soa como se Scherfig quisesse colocar para “debaixo do tapete” todas essas questões sérias que inevitavelmente acabam submergindo na história.
A perversidade do ser humano, seu lado violento e egoísta, que contrariam a “tese” da realizadora de que “há pessoas boas no mundo”, por mais que ela tente sufocar, uma hora surge e traz ruídos para uma história que convoca esse traço sombrio da nossa existência mas quer preenche-la de positividade. Essa tensão está presente nas telas na maneira como, por exemplo, Scherfig pasteuriza a relação abusiva e marcada pela violência doméstica sofrida pela personagem de Zoe Kazan ou mesmo sua experiência como sem-teto entrando de penetra em grandes eventos para roubar o buffet e alimentar seus filhos.
Além do que já fora apontado, algo que incomoda bastante em Um Inverno em Nova York é a maneira estranha com que seus personagens se relacionam. Não há química alguma em um elenco que supostamente deveria inspirar sinergia, isso é ainda mais severo quando o encontro amoroso passa a ser uma pauta da história com a completa falta de sintonia entre Zoe Kazan e Tahar Rahim ou entre Andrea Riseborough e Jay Baruchel. É também estranho como essas mesmas figuras, que passaram por maus bocados em suas biografias sejam construídas na obra como figuras que são indiferentes às suas próprias dores, resultado da maneira atabalhoada com que o filme lida com o aspecto sombrio de suas existências, conforme traçamos anteriormente.
Com frieza e distanciamento, ao mesmo tempo em que estranhamente convoca um certo sentimentalismo, Um Inverno em Nova York se apresenta para o espectador como um filme sem “sangue nas veias”. É daquele tipo de filme cujas boas intenções colidem com a execução das suas ideias.
Direção: Lone Scherfig
Elenco: Zoe Kazan, Tahar Rahim, Andrea Riseborough, Bill Nighy, Caleb Landry Jones
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