O tema da aula é o hábito/ necessidade humana de contar histórias e a professora sugere que a turma faça um trabalho em equipe contemplando o tópico em diversos formatos. É nesse momento que Bebel sugere realizar um filme com seus amigos de classe. Com a ajuda do pai cineasta, a menina começa a pensar nos caminhos de sua narrativa, envolvendo-se de fato com a realização cinematográfica. Quem sabe esse será os primeiros passos da cineasta Bebel.
Com essa premissa, o diretor Thiago B. Mendonça concebe Um Filme de Cinema, longa abertamente inspirado na sua convivência com as filhas Bebel e Isadora, ambas presentes no elenco do longa (Bebel é a intérprete da protagonista que leva o seu nome). Assim, Um Filme de Cinema é um longa sobre a crise criativa de um cineasta, absorto pela rotina e pelos choques de realidade do dia-a-dia da vida adulta, mas também um filme sobre o olhar infantil para o mundo e como ele está próximo da gênese do “fazer cinematográfico”. A resposta para a desilusão do cineasta com o mundo e, consequentemente, o esgotamento de suas referências e inspirações para concretizar a magia de uma narrativa cinematográfica está no resgate da ludicidade do olhar desprovido de “bagagem” de uma criança.
O argumento que sustenta a “tese” do filme de Thiago B. Mendonça, que o tempo inteiro embaralha realidade e ficção em seu exercício puro de metalinguagem, demonstra ter fundamento e é executado pelo cineasta com muita dedicação, empenhando-se sempre com a originalidade. A teoria de Mendonça procede e demonstra potencial para construir uma história bem interessante sobre o ofício do diretor.
O grande ponto de disfunção de Um Filme de Cinema, no entanto, é a dificuldade que ele tem de deixar claro para quem especificamente o projeto é direcionado. Diante dessa indecisão, o resultado é um filme que pode não conseguir se comunicar com muita gente. Se de um lado Um Filme de Cinema parece um projeto voltado para crianças, demonstrando até interesse em formar jovens cinéfilos com sua forma criativa e didática de esclarecer pontos sobre a história do cinema e a linguagem cinematográfica, tendo uma protagonista infantil como sua grande narradora, por outro, é uma obra que apresenta um viés existencialista de reflexão sobre o “gênio criativo” que parece mais voltado para adultos, especificamente aqueles que de alguma forma tem o audiovisual como profissão.
No fim das contas, Um Filme de Cinema acaba revelando-se um filme bem intencionado, mas cheio de ruídos de comunicação, não vivenciando em sua plenitude nenhuma das suas chaves de diálogo com o público. Entre o desejo de valorizar o público infantil e o ímpeto de explorar suas próprias angústias, o diretor não consegue encontrar um público-alvo.
É possível que nesse espectro de incertezas o projeto acabe surpreendendo e tendo uma relação bem mais harmoniosa com o espectador que nosso prognóstico, afinal, o público é de fato uma “caixinha de surpresas”. No entanto, essa desarmonia do projeto inevitavelmente nos faz pensar em seus potenciais problemas de recepção e, nesse sentido, não ter muita certeza do receptor da sua narrativa é uma das maiores “pedras no sapato” que qualquer filme pode encontrar em sua trajetória.
Direção: Walter Carvalho
Elenco: Bela Tarr, Júlio Bressane, Gus Van Sant
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