Quando faleceu em 2011, o co-fundador da Apple Steve Jobs instantaneamente tornou-se tema de inúmeras publicações interessadas em sua biografia. Não demorou muito também para que o setor cinematográfico escolhesse Jobs como protagonista de projetos de documentários e longas de ficção que teriam como centro narrativo a sua trajetória e vida pessoal. Tratava-se de um movimento natural dada a magnitude e a representatividade da figura de Jobs no final do século XX e início do século XXI, afinal estamos falando do homem que revolucionou a indústria dos computadores em diversas frentes e que mantinha um certo interesse midiático por controversos aspectos da sua vida pessoal e profissional – os mais evidentes deles eram os seus atritos com antigos companheiros de trabalho como Steve Wozniak, amigo pessoal de Jobs e peça fundamental na concepção de computadores pessoais da Apple II (modelo da empresa na década de 1970), e o antigo CEO da Apple John Sculley. Assim, multiplicaram-se os livros, documentários e filmes de ficção que buscavam explorar os meandros da ascensão de Jobs, mas talvez nenhuma dessas obras seja tão eficiente quanto Steve Jobs, filme de Danny Boyle, que traz o ator Michael Fassbender na pele do empresário e inventor.
Steve Jobs traz os bastidores de três momentos importantes na vida do seu biografado: em 1984, acompanhamos o fundador da Apple no lançamento do Macintosh, no qual vislumbrava-se o potencial comercial de uma máquina cujas funções eram comandadas pelos usuários através do mouse; o ano de 1988, quando Jobs foi desvinculado da Apple e fundou a Next, uma empresa especializada no desenvolvimento de computadores voltados para instituições de educação superior; e 1998, época em que Steve retornou a Apple e apresentava ao público o iMac. Nos três períodos, o espectador acompanha os passos da vida e da carreira de Jobs e a maneira como ele lidava com alguns dos mais importantes relacionamentos da sua vida, entre eles, a sua complicada relação com a filha Lisa e os atritos o antigo companheiro da Apple Steve Wozniak.
Para começar, o longa beneficia-se pelo incrível roteiro escrito pelo sempre afiado Aaron Sorkin, baseado no livro de Walter Isaacson. Por mais que o diretor Danny Boyle faça aqui um dos seus trabalhos mais equilibrados da sua recente filmografia, fica evidente que o realizador interfere muito pouco no trabalho do seu roteirista ao transformar Steve Jobs em uma grande peça de teatro filmada. Boyle interfere muito pouco em cena e demonstra muita maturidade ao entender que no caso de Steve Jobs quanto menos interferência visual, melhor.
Com o roteiro usualmente verborrágico de Aaron Sorkin (tal qual seus trabalhos em A Rede Social de David Fincher ou na série West Wing) e a interessante estrutura em três atos, Steve Jobs funciona como uma encenação teatral na qual os atores ocupam praticamente um mesmo espaço, basicamente os interiores dos grandes auditórios e salas de apresentação que Jobs escolhia para fazer os seus anúncios empresariais. Dessa forma, o que se vê são atores entrando e saindo de cena em três décadas diferentes e todas as ações e dinâmicas centradas nos relacionamentos dos seus personagens com o Steve Jobs interpretado por Michael Fassbender. Assim, Steve Jobs beneficia-se pela estrutura do seu roteiro, que soube dar conta das principais questões que rondaram a vida do seu biografado sem recorrer à clássica cartilha das biografias cinematográficas: o nascimento, a vida, a obra e a morte do protagonista. O roteiro do filme, aliado ao tom da interpretaçao dos seus atores, também acerta ao evitar transformar seus personagens em vilões ou mocinhos, ou seja, não se perde em meio a um “fascínio adolescente” pela figura de Steve Jobs. Tanto ele, quanto os demais personagens da obra tem muitas camadas e cada um traz em si defeitos e qualidades que os tornam humanos e por isso mesmo fascinantes para o público nos três atos do filme.
Por todo o cuidado que Danny Boyle tem com o texto de Aaron Sorkin e o destaque que ele dá aos duelos de palavras entre os seus personagens, o desempenho dos atores de Steve Jobs acaba tendo importância fundamental para o êxito do filme e não há um só integrante do elenco que se saia mal. A começar pelo seu protagonista, Michael Fassbender que acerta imensamente ao evitar o overacting ou buscar trejeitos ou transformações físicas e vocais muito drásticas em sua performance, uma muleta recorrente em trabalhos de atores que se dedicam a interpretar personagens reais, principalmente figuras históricas como Steve Jobs (foi o caso da péssima composição de Ashton Kutcher em Jobs, cinebiografia mal sucedida do mesmo personagem). Fassbender acerta ao ter como principal preocupação do seu trabalho as palavras de Aaron Sorkin e os vestígios da natureza de Steve Jobs que cada uma delas oferece, sendo fiel ao biografado não por uma fisicalidade, mas por conseguir dimensiona-lo como homem, empresário, inventor, pai e amigo e, desta forma, aproximar intimamente o público da sua personalidade. Ao lado de Fassbender estão atores que conseguem magistralmente dar conta de personagens igualmente interessantes e multifacetados que engrandecem ainda mais o desempenho do seu protagonista, entre eles, Kate Winslet, Seth Rogen, Jeff Daniels, Michael Stuhlbarg e Katherine Waterston.
Mostrando-se como um rica e profunda biografia, que surpreende a plateia pela estrutura extremamente sagaz do seu roteiro, Steve Jobs fisga o público não apenas por ter como epicentro uma figura conhecida, uma vantagem que parte das cinebiografias ruins conseguem usufruir, mas porque é um grande filme. Com um elenco talentoso que aproveita cada cena do elegante e inteligente roteiro de Aaron Sorkin e com um diretor como Danny Baoyle que mostra-se inteligente o suficiente para saber que muitas vezes é preciso que o cineasta saia de cena para que parte da sua equipe brilhe e revele o verdadeiro poder da sua obra, Steve Jobs é um longa repleto de virtudes.