Crítica: Star Wars – O Despertar da Força (COM SPOILERS)

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ATENÇÃO SPOILERS!!! NÃO LEIA SE VOCÊ NÃO ASSISTIU AO FILME (OU LEIA POR SUA CONTA EM RISCO)

Indubitavelmente, Star Wars – O Despertar da Força é o acontecimento cinematográfico do ano. Com quase quarenta anos de existência, a franquia cinematográfica mais cultuada da história da indústria do cinema teve em seu episódio sete, conduzido pelo experiente J.J. Abrams, criador de Lost e responsável pelo renascimento de outra série cultuada em todo o mundo Star Trek, um capítulo importante da sua trajetória. O lançamento era aguardado com expectativas pelo simples motivo de ser Star Wars, praticamente um embrião do blockbuster norte-americano, mas porque O Despertar da Força representava um recomeço para a saga, cuja última trilogia, prequelas conduzidas pessoalmente por George Lucas, resultara em filmes mornos, com histórias previsíveis (afinal, todo mundo que havia assistido Uma Nova Esperança, O Império contra-ataca e O Retorno de Jedi sabia exatamente o destino de Anakin Skywalker). Ambientado 30 anos após o O Retorno de JediStar Wars – O Despertar da Força dialoga muito mais com a vivacidade da trilogia de 1977-1983  do que com a esquecível de 1999-2005 e apresenta uma história nova com elementos e personagens representando trajetórias conhecidas que moldaram as marcas da própria franquia.

 O filme traz o surgimento de uma nova ameaça, a Primeira Ordem, uma organização que visa destruir a República e estabelecer um novo caos na galáxia. Orquestrada pelo Líder Supremo Snooke e por seus comandados diretos Kylo Ren e General Hux, a Primeira Ordem está em busca de um mapa que os levará a localização de Luke Skywalker, considerado uma ameaça por ser o último Jedi vivo que se tem notícia. O paradeiro de Skywalker é mantido em segredo pelo robô BB-8, que por sua vez conta com a ajuda de uma jovem sucateira do planeta Jaku,  a catadora de sucatas Rey. Com a ajuda de um stormtrooper desertor da Primeira Ordem chamado Finn, Rey assumirá a missão de levar BB-8 de volta para a República antes que ele caia nas mãos de Snooke e companhia.

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Não existe grandes rupturas com o tom e a trajetória da primeira trilogia Star Wars em Star Wars – O Despertar da Força. A jornada e a função dos seus novos personagens são basicamente as mesmas daquelas exercidas por Luke Skywalker, Princesa Leia, Han Solo e Darth Vader na trilogia de 1977-1983, o que não é um demérito para o novo filme da saga, pelo contrário. Firmando Star Wars como uma grande saga familiar lastreada basicamente pela mitológica disputa entre o bem e o mal e pela ascensão da figura de um herói vindo do lugar mais improvável, O Despertar da Força revive os passos que fizeram George Lucas cimentar a saga como um fenômeno da cultura pop de maneira muito mais eficiente e vibrante do que o próprio criador da franquia no pálido prequel de 1999-2005, composto por A Ameaça Fantasma, Ataque dos Clones e A Vingança dos Sith, que se enquadram muito mais como um mimo de Lucas e cia. aos fãs ardorosos da série cinematográfica do que uma história com urgência de ser contada. Tudo em O Despertar da Força é crível, tem textura, forma, dimensão e emoções reais – em oposição ao prequel de Star Wars sufocado por dezenas de efeitos especiais que deram um tom cartunesco à trilogia dos anos 2000 – , o que comprova que, talvez, curiosamente, a franquia sempre esteja em boas mãos quando está longe das decisões diretas do seu próprio criador. A exceção de Uma Nova Esperança de 1977, todos os melhores filmes Star Wars não tiveram a direção de George Lucas.

Um dos grandes acertos de Star Wars – O Despertar da Força está em conseguir equilibrar a reverência ao passado da franquia com situações e dinâmicas que nos remetem a Uma Nova Esperança e O Império contra-ataca  e estabelecer novos rumos para o seu universo. Assim, J.J. Abrams consegue agradar antigos fãs de Star Wars e fidelizar uma nova leva de aficionados pela saga, afinal nos são apresentados personagens que, a despeito de “respirarem” as motivações e os “lugares” ocupados pelos seus antecessores naquele universo, possuem identidade própria e fôlego para empreender uma nova e intensa jornada pelos próximos anos.

Diversas decisões tomadas por J.J. Abrams, Lawrence Kasdan e Michael Arndt no roteiro de O Despertar da Força evidenciam os esforços do trio em promover novos rumos para a saga preservando as marcas da trilogia de 1977-1983, o que é bastante interessante. É como se o trio de roteiristas repaginasse a série cinematográfica conservando elementos vitais e que assumem a identidade de Star Wars. Nesse sentido, entender como centro de suas preocupações a jornada de dois desses personagens, a heroína Rey e o vilão Kylo Ren rumo a construção dos seus respectivos mitos, e trazer novamente uma tragédia familiar como elemento propulsor das suas ações e decisões traz para O Despertar da Força um caráter cíclico, ou seja, a noção de que as histórias se repetem pelas gerações.

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ATENÇÃO MEGA-SPOILER!  ATENÇÃO MEGA-SPOILER!  ATENÇÃO MEGA-SPOILER!

Um dos momentos mais emblemáticos de O Despertar da Força que evidenciam esta oscilação sadia entre o nostálgico e o rejuvenescimento da franquia  é a corajosa decisão que os roteiristas tiveram ao matar um dos personagens mais emblemáticos e queridos de toda a franquia, o Han Solo de Harrison Ford, assassinado pelas mãos do seu próprio filho com Leia, o vilão Kylo Ren. A morte de Han Solo em O Despertar da Força remete à icônica cena em que Darth Vader revela a Luke Skywalker que é o seu pai em O Império contra-ataca, mas também mostra-se como um momento singular para a saga dali em diante e que, por sua gravidade, justifica a formação de conflitos ainda mais severos entre os seus personagens pelos próximos capítulos. A decisão drástica dos roteiristas de O Despertar da Força confirma a natureza perversa de Kylo Ren,  que durante todo o filme sempre esteve em conflito entre a luz e o lado negro da força e que, após o assassinato do pai, parece ter fincado de vez a sua posição no universo. Além disso, mexe drasticamente com a trajetória de diversos personagens traumatizados pelo acontecimento, como Chewbacca, Leia e até mesmo os novatos Finn e Rey, cuja verdadeira filiação não tivemos conhecimento em O Despertar da Força.

Somado a uma direção eficiente e um primoroso trabalho em seus departamentos técnicos e artísticos, Star Wars conta com um elenco espetacular de jovens atores que se junta a uma velha-guarda encabeçada por Mark Hamill (em breve participação nesse episódio já que o desaparecimento do seu personagem é o mote do filme), Carrie Fisher e Harrison Ford, mais uma vez impagável como Han Solo. A protagonista da nova trilogia é a radiante Daisy Ridley, que consegue fazer de Rey uma jovem marcada pelas dificuldades da sua realidade, mas que não perde a doçura e até mesmo a ingenuidade diante da descoberta de um novo universo. Fica evidente também na performance de Ridley a transformação sofrida pela personagem que, na medida em que a história chega ao seu fim, amadurece e assume seu lugar e sua responsabilidade nesse universo. Na pele do ex-stormtrooper Finn, John Boyega transborda carisma e humanidade sem tornar o seu personagem uma caricatura ambulante. Ao mesmo tempo em que, por diversos momentos, Finn seja utilizado como um alívio cômico do novo filme, Boyega não se esquece que seu personagem possui traumas tão profundos quanto os de Rey a partir do momento em que todas as suas decisões na história são tomadas por um medo de ser punido pela Primeira Ordem, cujo modus operandi ele conhece como nenhum outro. Existem outros personagens interessantes ao longo de O Despertar da Força que podem ser explorados em maior profundidade nos próximos filmes, mas que aqui já demonstram seu potencial através do tom certeiro dos seus atores, como o piloto de X-Wing Poe Dameron do ator Oscar Isaac, a Capitã Phasma de Gwendoline Christie, o General Hux de Domhnall Gleeson e até mesmo os personagens construídos por captura de movimentos dos atores Lupita Nyong’o e Andy Serkis, Maz Kanata e o Líder Supremo Snooke, respectivamente.

E a maior prova de que J.J. Abrams conseguiu conservar os já numerosos fãs da série e angariar um novo e jovem grupo de fanáticos por Star Wars está ao final das sessões de O Despertar da Força ou mesmo nas ruas. É perceptível a empolgação de pequenos de diversas faixas etárias quando os créditos finais do novo filme da franquia começam a aparecer. As crianças não param de falar da Rey, do Finn, do Kylo Ren, de Han Solo, do Chewbacca, do BB-8… Basta entrar também em qualquer loja de brinquedos e ver como meninos e meninas com menos de dez anos de idade estão loucos para ter o próprio sabre de luz, que, por sinal, andam esgotados. Enfim, J.J. Abrams conseguiu mesmo despertar a força de uma franquia que nem mesmo o seu criador foi capaz de respeitar nos monótonos A Ameaça Fantasma, Ataque dos Clones e A Vingança dos Sith. Amigos e haters, gostem ou não, Star Wars está de volta!