As estranhas razões que levam a imprensa a martelar as nossas cabeças com as imagens da Scarlett Johansson nua em Sob a Pele sempre serão difíceis de identificar, sobretudo diante de uma obra tão esquisita (no bom sentido) quanto esse novo filme de Jonathan Glazer. Por tolice, por preferir deixar tudo na superficialidade, a nudez da atriz, tão comum quanto a de qualquer outra, reduz o filme a um mero fetiche, o que não é. Realizador de outros dois longas igualmente instigantes em sua abordagem, Sexy Beast e Reencarnação – esse último incansavelmente espinafrado na ocasião do seu lançamento, mas que vem sendo redescoberto aos poucos pelo público e pela crítica -, Jonathan Glazer é um diretor provocador. Kubrickiano em sua essência, o cineasta adora longas sequências sem corte, a câmera parada, o silêncio, a imagem e as sutilezas na interpretação de seus atores, ou seja, tudo o que o cinema, habitualmente, menos tem oferecido.
Sob a Pele narra a história de um alienígena que vem para a Terra e assume a aparência de uma atraente jovem. Na Escócia, ela passa a seduzir alguns homens a fim de conhecer a natureza humana e eliminar algumas espécies que considera repulsivas moralmente. O contato com esses indivíduos faz ela conhecer seres vaidosos, fascinados pela beleza e perversos, mas também criaturas solidárias, carentes e afáveis. Aos poucos, a protagonista vai baixando a guarda e percebe que nem todos os humanos merecem ser consumidos por suas próprias falhas de caráter e que existe um lado positivo na forma de vida dominadora da Terra. Mas até que ponto vale a pena confiar tanto assim no ser humano?
Sob a Pele é bem mais experimental e estilizado que os dois longas anteriores do diretor. Jonathan Glazer mistura imagens de refino estético apurado com outras mais relaxadas e improvisadas. Caçando e analisando as espécies humanas observadas pela personagem de Scarlett Johansson junto com ela, o diretor utiliza toda sorte de recurso visual e evita diálogos expositivos o máximo que pode, muito pouco é explicado pela fala dos personagens, tudo é narrado pelas composições dos seus quadros. Decisão sábia já que deixa o filme ainda mais soturno, instigante e carregado por uma atmosfera de constante imprecisão não só para as vítimas de Johansson, mas também para a sua própria protagonista, que em dado instante do longa ela assume a posição de presa. A escolha de Johansson, por sinal, foi muito interessante para o filme já que a atriz “utiliza” as suas qualidades físicas, mas também as suas limitações dramáticas, a seu favor.
Momentaneamente pensamos que Sob a Pele é um estranho conto sobre a fé no ser humano, mas, com seu terceiro ato, Jonathan Glazer tira o chão que sustentava as nossas certezas e as da personagem central. O longa causa desconforto por ser obscuro e flertar com o grotesco, além de não redimir nenhum dos seus personagens, adotando uma perspectiva essencialmente pessimista que nos faz lembrar um autêntico Lars Von Trier. No entanto, tudo isso é justificado pelos propósitos de um cineasta que merece um pouco mais de atenção por ousar tanto na narrativa audiovisual, uma tomada de posição cada vez mais tímida e restrita nos principais pólos de produção cinematográfica.
Por mergulhar de cabeça na sua própria narrativa e no seu estilo peculiar sem revelar-se como um produto de uma futilidade exibicionista, mas sim uma obra de um realizador interessado em testar sua linguagem, Sob a Pele é um dos longas mais intrigantes da nova safra. O filme pode encontrar uma certa resistência das plateias e até mesmo da crítica especializada, mas, nesse caso, todo esse barulho e estranhamento é sinal de que Jonathan Glazer conseguiu inquietar olhos e mentes que já estavam no automático em matéria cinematográfica. Sempre que um cineasta consegue esse feito merece qualquer reverência e a nossa atenção para o que ele ainda pode nos reservar.