O longa nacional Sem Coração estreou recentemente na Netflix e é um cuidadoso olhar sobre o aflorar das emoções na adolescência. Numa cidade litorânea do estado de Alagoas, na década de 1990, um grupo de jovens adolescentes vive os últimos dias de férias de verão curtindo o tempo livre, o som, o mar e todas as descobertas que envolvem a idade deles. O estranhamento de uma garota apelidada de Sem Coração faz com que a protagonista, Tamara, fique curiosa sobre a sua história.
Os diretores e roteiristas Nara Normande e Tião trilham um caminho suave e realista daquela época, onde a juventude era vivida desconectada, sem qualquer relação com internet ou smartphones. Não há, necessariamente, uma devoção neste aspecto, mas fica implícita uma leveza que certamente não sentimos mais nos períodos atuais. O filme consegue ser leve e flúido, ainda que traga muitas temáticas complicadas.
Sem Coração nos envolve com muita facilidade. Seja pelos cenários bonitos à beira-mar ou pelos personagens interessantes, as cenas vão se conectando com assertividade e trazendo o espectador para dentro da história. Rapidamente já estamos defendendo aqueles jovens e entendendo as dinâmicas a que eles são submetidos.
O grupo é grande e diverso e é justamente aí que reside a grandiosidade deste roteiro. Cada um tem a sua própria realidade, a sua própria batalha interna que tem que travar a todo instante. Mas isso não os impede de serem amigos fiéis e torcerem por eles mesmos. Tem uma cena muito bonita em que um do jovens representado por Kaique Brito (baiano que fez sucesso no TikTok e agora estreia muito bem no cinema) está triste pela hostilidade que sofreu em uma festa, por ter demonstrações de afeto com outro garoto.
A sua homossexualidade é completamente aceita e entendida pelos amigos, que acreditam fielmente que ele merece ser feliz e viver todo o amor que puder. Isso vindo de pessoas completamente diferentes. Já um outro garoto, vivido pelo ótimo Alaylson Emanuel, acabou de sair da antiga Febem (hoje conhecida como Fundação CASA) por conta de roubos que realizou anteriormente. Ele é o “deliquente” do grupo, ainda também que seja o mais dedicado aos amigos. Com o avançar do roteiro, entendemos todo o contexto que o leva àquele perfil.
A descoberta da sexualidade é um dos pontos principais do filme e isso é explorado de uma maneira muito natural e leve. É uma mistura de ingenuidade com desejo, curiosidade com receio, que faz com que exista um toque de pureza até mesmo nas cenas mais visuais. Descobrir o corpo, o desejo, as vontades, é algo que todo adolescente passa e, normalmente, vivencia muito mais com o grupo de amigos do que com a família.
Ainda que próximos, um mundo os separa pela realidade que vivem. Cada um do seu jeito, com a sua estrutura, encontrando pontos em comum que é a descoberta e as emoções ali vividas. E tudo isso só é possível pela química única que o elenco tem, em total entrosamento.
Sem Coração é como uma maré mansa reflexiva de fim de tarde, que nos coloca dentro de um pôr do sol morno. Acho que é uma definição precisa para a sensação aconchegante de assistir esse filme que foi uma doce e grata surpresa. Ele tem o tom certo, ótimas atuações, bem roteirizado e uma direção digna de nota. Vale muito a pena conferir!
Direção: Nara Normande, Tião
Elenco: Maya de Vicq, Eduarda Samara, Alaylson Emanuel, Maeve Jinkings, Eules Assis, Kaique Brito, Erom Cordeiro, Ian Boechat
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