Um dos cineastas mais produtivos da atualidade, o italiano Luca Guadagnino entrega Queer no mesmo ano do excelente Rivais. O mais recente trabalho do diretor é protagonizado por Daniel Craig na pele de um escritor estadunidense na Cidade do México nos anos 1940. Enquanto tem encontros sexuais descompromissados com alguns rapazes, o protagonista acaba se apaixonando perdidamente por um jovem misterioso vivido por Drew Starkey, ator mais conhecido pela sua participação na série Outer Banks da Netflix.
Queer é uma adaptação do romance homônimo de William S. Burroughs e leva em seu título a denominação atribuída a pessoas que não se identificam com a heteronormatividade. Comumente, “queer” também é um termo associado a homens gays, é, por exemplo, uma denominação que não sai da boca da maioria dos personagens desse longa para fazer referência uns aos outros.
Dividido em três capítulos, a nova obra de Guadagnino é mais bem-sucedida em seu início do que no seu desenvolvimento e desfecho, reservando à primeira parte os melhores e mais promissores momentos de toda a história. Está longe de ser um filme ruim, mas é uma narrativa que perde sua vitalidade gradualmente.
Toda a primeira parte de Queer, reservada ao início do relacionamento entre o escritor William Lee e o jovem Eugene é espetacular: psicologicamente bem desenvolvida, guarda um erotismo muito bem dosado e ambienta muito bem a trama temporal e geograficamente. No entanto, o longa perde bastante em seus segmentos seguintes. Há uma sensação de prolongamento desnecessário do tempo de duração dessa história e Guadagnino se perde em meio a metáforas visuais do universo interno do seu protagonista como um esforço de representar suas principais emoções em imagens, algumas iniciativas são interessantes, outras são redundantes, mas existem algumas bem dispensáveis.
Não resta dúvidas que em Queer, o público terá contato com a interpretação mais madura da carreira do ator Daniel Craig. Como William Lee, Craig vive um homem que se contenta com suas relações casuais até ser consumido pela paixão por um jovem extremamente misterioso. Interpretando a outra parte dessa relação, Drew Starkey também está ótimo como Eugene, um rapaz escorregadio e reticente, cuja sexualidade é envolta por um mistério que fascina e destrói Lee. A partir desses personagens, Guadagnino traça um olhar complexo para relações marcadas pela dificuldade de comunicação decorrente das diferentes expressões da sexualidade de Lee e Eugene, elaborando uma interessante análise sobre a experiência sexual e afetiva de um homem gay.
Craig interpreta um sujeito disponível, capaz de qualquer coisa pela atenção de Eugene, sendo em alguns momentos excessivamente submisso, completamente fascinado por aquele rapaz. Enquanto isso Starkey vive Eugene com um minimalismo extremamente sedutor, enigmático, fazendo o público entender o porquê do personagem de Craig se apaixonar de forma tão intensa por aquele sujeito. No primeiro capítulo do filme, a dinâmica entre eles é captada por Guadagnino através de gestos singelos, as iniciativas e os desejos reprimidos de ambos. Isso é um grande acerto do longa, entender que, nessa relação, os detalhes mais sutis dizem muito sobre ambos e sobre o relacionamento que está sendo formado.
O problema é que Queer tem um desenvolvimento emperrado no segundo capítulo sobre a passagem de Lee e Eugene pela América Latina e um momento ainda mais complicado quando o casal passa pela Amazônia para encontrar uma estudiosa de ervas interpretada por uma irreconhecível Lesley Manville, atriz britânica nomeada ao Oscar pelo seu desempenho em Trama Fantasma. Na terceira parte da história, o personagem de Craig está interessado em usar uma erva para acessar aquilo que desde sempre lhe pareceu impenetrável, a cabeça de Eugene. A ideia do terceiro capítulo é boa, mas na prática resulta em diversos momentos lisérgicos dos personagens de Craig e Starkey que só prejudicam a experiência do espectador.
Queer tem rendido muitas menções a prêmios para o ator Daniel Craig, eleito o melhor desempenho de um protagonista masculino em 2024 pelo National Board of Review e indicado ao Globo de Ouro de melhor ator em um filme drama, vislumbrando um potencial para render a primeira indicação do ator ao Oscar. É um reconhecimento merecido, ainda que a escalação do ator (um homem conhecidamente hétero, um ex-James Bond) para interpretar um homem gay tenha um “q” de chamariz midiático. Craig faz um belo trabalho em Queer. Nesse novo longa de Guadagnino, a interpretação dele e de Drew Starkey merecem destaque. O filme como um todo, no entanto, representa um ponto vacilante na carreira de um diretor que até então vinha realizando obras surpreendentes ano após ano. Acontece, não se pode ser excelente o tempo todo.
Direção: Luca Guadagnino
Elenco: Daniel Craig, Drew Starkey, Jason Schwartzman
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