Crítica: Quando as Luzes se Apagam

Em 2013, Lights Out, um curta-metragem com uma ideia bastante simples dirigido pelo pouco conhecido David F. Sandberg, viralizou na internet e se tornou uma das peças audiovisuais mais apavorantes daquele ano. No filme, uma mulher é aterrorizada por uma aparição que fica à sua espreita assim que as luzes se apagam e o fenômeno sobrenatural acontece justamente no momento em que ela vai dormir. Por isso a ideia é simples e eficiente no seu gênero, trata-se de uma situação que mexe com um dos nossos medos mais primários. O diretor e produtor James Wan, que naquele ano havia feito para a Warner o sucesso Invocação do Mal, ficou interessado na ideia de Sandberg e logo o chamou para conduzir um longa-metragem derivado do conceito do seu famoso curta. Assim nasce Quando as Luzes se Apagam, que se apropria dessa ideia do temor pelo que se esconde no apagar das luzes, mas que, apesar de apresentar uma premissa bastante inventiva e que sugere contornos mais dramáticos à ideia original, não consegue produzir o mesmo efeito que o curta Lights Out conseguia com bem menos história e desenvolvimento de personagem. (Assista ao curta no final da postagem)

No longa, somos apresentados a Rebecca, uma jovem que, após desentendimentos com sua mãe, mora sozinha, com uma vida independente e afastada dos seus familiares. A moça acaba tendo ciência de que o seu irmão mais novo Martin começa a ser vítima de uma estranha aparição e que sua mãe segue apresentando problemas de ordem psiquiátrica que podem pôr em risco a vida do garoto. Rebecca retorna ao seu lar com o propósito de resgatar o seu irmão daquela situação, mas acaba descobrindo fatos que explicam os fenômenos paranormais que tomam conta da casa, informações que podem salvar a sua família dessa maldição.

maria_2

O caminho que o roteirista Eric Heisserer encontra para justificar o longa-metragem é válido, ele se apoia em dinâmicas familiares fragilizadas e marcadas por mágoas e traumas entre mãe e filha. Seguindo o “caminho do ouro” que James Wan costuma trilhar em suas fitas de terror, Quando as Luzes se Apagam escolhe o drama familiar como pilar da sua trama, um elemento que sempre apresenta o potencial de conectar o espectador com uma história do gênero, ou seja, de fazer o público  se preocupar com o destino dos personagens diante de fenômenos que estão além do seu domínio de ação e compreensão e que podem levá-los a um destino trágico. Acontece que todas as relações familiares de Quando as Luzes se Apagam, bem como suas respectivas tensões, não dão liga em função da superficialidade com que a trama aborda seus personagens e suas relações. O roteiro de Heisserer parece ter se ocupado de trilhar todos os caminhos que levariam o filme a provocar um envolvimento afetivo do espectador com aquelas personagens, mas tudo parece tão na superfície, inclusive a interpretação dos seus atores (a exceção da mãe vivida pela sempre competente Maria Bello), que o público fica indiferente ao imbróglio familiar. Não nos importamos com a mágoa que Rebecca tem da sua mãe Sophie, por exemplo, porque jovem atriz Teresa Palmer não dá conta da intensidade de sentimentos que tomam de assalto a sua personagem e o filme não consegue retirar esse conflito do terreno dos sentimentos óbvios e aparentes.

A direção de Sandberg, por sua vez, acerta na produção localizada de determinados instantes de horror e na construção imagética de determinadas cenas, utilizando com inteligência o recurso da luz e dos vultos, por exemplo. Em outros momentos, o filme apresenta uma completa apatia na produção das suas sequências de maior tensão e até mesmo um certo pieguismo no seu departamento dramático, o que torna o longa emocionalmente artificial. O curioso é que tais oscilações não são vistas, por exemplo, no próprio curta Lights Out, dirigido pelo mesmo Sandberg e que deixa os nervos do espectador à flor da pele do início ao fim da sua execução com muito pouco material humano em uso.

Transformando o seu eficiente curta em um longa de terror genérico, Quando as Luzes se Apagam não chega a ser um fiasco, mas é uma experiência do gênero que não tem muita energia ou brilho.  Apesar das ideias interessantes que procura agregar ao conceito simples e certeiro do seu produto de origem (é louvável a história de fundo que Heisserer encontra para a aparição que assombra a família de Rebecca e que justifica sua preferência pelo escuro, por exemplo), o filme não é um dos melhores representantes da excelente safra de longas do gênero que temos visto de uns anos para cá.

Assista ao curta Lights Out:

Assista ao trailer do filme: