Propriedade

Crítica: Propriedade

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Em Propriedade, o pernambucano Daniel Bandeira narra uma história atravessada pela violência onde duas realidades colidem. No centro desta narrativa está Tereza, uma estilista interpretada por Malu Galli. Faz alguns anos que a personagem vive reclusa em seu apartamento, até que é convencida pela filha e pelo marido a passar uma temporada na propriedade rural da família. Do outro lado dessa história está o grupo de trabalhadores dessa fazenda que organiza um motim contra os patrões quando descobrem seus planos para vender a propriedade e transformá-la em um resort, tirando-lhes a sua principal fonte de sustento. É esse caldeirão de tensões que impulsiona o thriller com raízes sociais de Bandeira.

Parte fundamental da ação do filme do diretor ocorre quando Tereza e o marido são surpreendidos pela investida do grupo de empregados e a personagem de Malu Galli busca refúgio no automóvel do casal. A partir dali, ela e os revoltados trabalhadores travam uma dinâmica angustiante na qual um teme pela iniciativa do outro. Propriedade é um jogo de sobrevivência onde muitas vezes aniquilar a parte contrária acaba sendo um caminho inevitável.

Durante todo o desenvolvimento de Propriedade, Daniel Bandeira expõe um cenário no qual os dois estratos sociais representados estabelecem relações marcadas pelo medo, um sentimento que entorpece esses personagens e que proporciona situações de incomunicabilidade, desumanizando as partes envolvidas e transformando tudo em dinâmicas extremamente instintiva, com objetivos elementares: sair ileso daquele cenário. Imediatamente os polos do conflito transformam-se em presa e predador e o senso de sobrevivência é parte dos instintos básicos dessas personagens que se encontram aqui em uma situação bem incomum.

Propriedade

O filme de Bandeira traz uma análise social sobre problemas estruturantes do Brasil, mas também revela-se um eficiente thriller marcado pela economia de recursos. Tudo é concentrado em dois únicos cenários: a propriedade do casal – agora, QG dos trabalhadores dela – e o carro que serve de abrigo para a personagem de Galli. Nesse sentido, é fundamental para o diretor contar com o empenho de Malu Galli como a personagem central dessa história. A atriz sustenta muito bem o desafio de conduzir uma interpretação que depende exclusivamente dela e das reações que sua personagem tem às investidas do coletivo de funcionários da sua fazenda em um momento muito particular da sua debilitada condição mental. Tamanho destaque para a personagem de Galli até traz a tona uma grande dificuldade do filme: não trabalhar em pormenores a personalidade de muitos dos personagens que estão do lado oposto da sua protagonista. Nesse sentido, os trabalhadores da fazenda ganham essa identidade amorfa reduzida por sua representação social. Ainda assim, em um momento ou outro a ótima Zuleika Ferreira assume um certo protagonismo nesse grupo, mas são breves essas passagens.

Satisfatório como um thriller e empenhado na crítica social, ainda que desequilibre sua “balança” no desenvolvimento das suas personagens, Propriedade é marcado por um forte desempenho da sua protagonista e por confirmar a vocação do cinema pernambucano de uma geração que tem contribuído para escancarar uma realidade brutal e indigesta do nosso país, mas que também sabe lidar muito bem com gêneros cinematográficos mais do que consolidados.

Direção: Daniel Bandeira

Elenco: Malu Galli, Tavinho Teixeira, Ane Oliva, Zuleika Ferreira, Sandro Guerra, Clébia Sousa, Marcílio Moraes, Nivaldo Nascimento, Carlos Amorim

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