Pisque Duas Vezes

Crítica: Pisque Duas Vezes

3.5

Estreando na função de diretora, Zoë Kravitz demonstra a maturidade que faz falta a muito cineasta veterano. Pisque Duas Vezes é um ótimo debut de Kravitz, que cria um suspense enervante sobre uma garçonete fisgada por um milionário para uma farra promovida pelo mesmo e pelo seu grupo de amigos em uma propriedade isolada em uma ilha particular. Conforme os dias vão passando, a personagem e outras mulheres que foram convidadas para o local vão constatando que por trás daquele paraíso existem intenções macabras da parte dos seus anfitriões do sexo masculino.

Para contar a história de Pisque Duas Vezes, Kravitz reúne um elenco muito interessante, a começar pelos seus protagonistas. Naomie Ackie tem outra grande oportunidade de brilhar depois de ter vivido Whitney Houston na cinebiografia I wanna dance with somebody – aliás, se aquele filme se salvava em algum ponto era graças ao desempenho da atriz. No filme de Kravitz, Ackie dá vida a uma mulher insegura que gradualmente lida com o retorno da memória dos seus traumas e utiliza uma falsa naturalidade e submissão como estratégia de sobrevivência em um contexto perigosamente misógino. Channing Tatum é outro destaque do elenco naquela que provavelmente é a melhor atuação da sua carreira desde Foxcatcher. Em Pisque Duas Vezes, Tatum interpreta um milionário cínico, frio e manipulador e mantém muito bem o mistério sobre a verdadeira natureza do seu personagem, por vezes seduzindo o próprio espectador com aquela persona de “homem dos sonhos”.

Acontece que Pisque Duas Vezes não é exitoso apenas na escolha dos seus protagonistas. Mesmo quem tem poucas falas está muito bem no suspense. Kravitz foi extremamente perspicaz na escolha dos seus coadjuvantes que vão da estrela em ascensão Adria Arjona (de Assassino por Acaso de Richard Linklater), passando por nomes veteranos que não têm aparecido em produções badaladas nos últimos anos como Christian Slater, Geena Davis e o ex-astro mirim de Sexto Sentido e A.I.: Inteligência Artificial Haley Joel Osment. Todos estão excelentes em cena e funcionam muito bem como coletivo.

Pisque Duas Vezes

Para além do ótimo elenco e do direcionamento certeiro que Kravitz dá a suas atuações, Pisque Duas Vezes é um longa que destaca uma diretora cuja principal qualidade é saber dosar os variados humores da sua trama. O filme funciona como thriller, cheio de momentos de tensão, dando vazão ao teor sombrio de sua história, mas também sabe inserir altas doses de ironia, não se levando tão a sério assim ao encontrar humor nos momentos mais insuspeitos. Existe muita personalidade na direção de Zoë Kravitz, que se revela uma cineasta completamente desapegada de qualquer cartilha na forma como a ação deve transcorrer na tela. Pisque Duas Vezes tem uma abordagem para seus temas que parece ser apenas dele, equilibrando muito bem gêneros e recursos que parecem opostos ou, na teoria, inconciliáveis, mas que aqui fazem perfeito sentido quando se combinam.

O mote feminista faz parte da proposta e o roteiro e Kravitz e E.T. Feigenbaum trazem isso para a narrativa de forma muito inteligente. Conceitos como sororidade e o próprio plot da vingança da vítima de assédio, que se transformou em um subgênero no próprio terror/thriller, é construído de forma multidimensional pela história na medida em que as personagens de Ackie e Arjona se articulam na sua “virada de mesa” contra os personagens masculinos.

Com boas atuações, uma direção original e um roteiro muito bem construído, Pisque Duas Vezes é um acerto e tanto de Zoë Kravitz. O filme tem ousadia na sua narrativa e muito frescor na forma como conta sua história, indicando que a diversificação das funções de Kravitz no cinema não é mero capricho, mas completa vocação artística.

Direção: Zoë Kravitz

Elenco: Naomi Ackie, Channing Tatum, Alia Shawkat

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