Passagem

Crítica: Passagem (Apple TV+)

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Em Passagem tudo é sobre camadas progressivamente sendo reveladas. Há uma jornada do espectador em descobrir o que há no passado da protagonista do filme, Lynsey (Jennifer Lawrence, Não Olhe Para Cima) e aqueles que a cercam. Já nos primeiros minutos de exibição é possível compreender que nem o roteiro e nem a direção irão entregar todo o contexto da trama imediatamente e isto funciona, inicialmente, pois há um processo de surpresas e envolvimento gradativo com a história, mas este recurso acaba se esgotando nele mesmo, pois uma sensação de repetição se alastra e resta uma impressão de que o desenrolar de cada situação acaba por se alongar demais.

Contudo, no início da sessão esta característica funciona, sendo que o tempo para contar os detalhes sobre Lynsey é mais forte no primeiro ato, pois é quando se tem menos diálogos e quando as imagens são um tanto misteriosas, em sua decupagem e montagem. Um exemplo é o começo da produção, quando o público vê apenas o rosto de Lawrence lateralmente. Aos poucos, a situação na qual ela se encontra vai sendo desvendada, tanto o aconteceu com ela quanto quem são as pessoas perto dela é contado pouco a pouco.

Este caminho é também percorrido pela trajetória da própria personagem principal, que entende mais sobre ela mesma, enquanto a narrativa se desenvolve. Entre tons de melancolia e oscilações qualitativas, o que há de mais especial no longa-metragem, no entanto, é a construção da relação entre Lynsey e o seu novo conhecido James (Brian Tyree Henry). Existem dois pontos principais para que a interação desta dupla funcione tanto. O primeiro elemento basilar para que o sucesso da dinâmica de Lynsey e James aconteça está nos diálogos entre eles que, assim como a obra inteira, possuem revelações lentamente convocadas.

Assim, eles vão se conhecendo, aproximando-se, afastando-se etc. A lógica de contenção de informação versus compartilhamento exagerado delas traz um tom realista, que gera uma espécie de empatia, principalmente para quem já vivenciou algum momento muito difícil e doloroso e encontrou algum interlocutor com tantas semelhanças de experiências. E são nestas dualidades individuais e do próprio relacionamento deles que camadas elaboradas são colocadas, conectando quem assiste ainda mais com o enredo.

Passagem

Além disso, as atuações de Jennifer e Brian ajudam a fomentar esta química dos intérpretes na tela, que não é sobre um estabelecimento de romance, porém de uma cumplicidade intensa. Essa característica trazida pelos atores está nos jogos cênicos dos dois, nos silêncios, nas movimentações corporais, que jogam com a dúvida sobre qual é, de fato, o envolvimento entre Lynsey e James. No entanto, faz-se necessário apontar que é justamente neste desejo de focar nesta dubiedade que o filme se perde. Existiam, na verdade, algumas opções de encaminhamento narrativo aqui.

Explorar mais o passado de James ou investigar melhor a razão da obsessão principal de Lynsey (voltar para a guerra) seria uma forma de tornar o longa mais coeso, talvez. O tom da dúvida, até o confronto derradeiro entre eles, acrescenta complexidade para as personagens, porém a questão é o tempo gasto nesta confusão de Lynsey. A metade da sessão também parece um tanto truncada, quando o comportamento obsessivo dela não consegue ser tão justificável, porque não há um investimento em tratar sobre as verdadeiras tensões de sua vida, como a razão da casa dela ser tão opressiva ao ponto de a colocar neste lugar de desespero interno tão forte.

O enfoque passa a ser apenas até onde Lynsey vai no seu jogo com James, por isso falta ao roteiro uma compreensão de quais os reais problemas da jovem e qual é o conflito central da trama. Todavia, essas dispersões não atrapalham de forma tão profunda o resultado geral. A direção de Lila Neugebauer (Room 104) ajuda a equilibrar estas quedas de qualidade presente na história, pois a cineasta consegue ampliar os sentidos interpretativos do filme, criando um paralelo do que é mostrado nos enquadramentos com o que Lynsey e James querem mostrar um para outro de quem eles são e vivenciaram antes de se conhecerem.

O trabalho da equipe de arte e da fotografia também ajudam nesta ampliação de transcrição dos significados, porém há certo exagero em alguns signos, como a cor azul, que aparece exageradamente nas roupas e ao redor de Lynsey, reforçando uma melancolia presente nela e essa saudade que ela possui do seu trabalho anterior, que já é intensa em toda a projeção: nos diálogos, nos planos, nas músicas e na arte. Mas, dentro de alguns exageros, Passagem consegue emocionar e prender a atenção na maior de sua duração.

Direção: Lili Neugebauer

Elenco: Jennifer Lawrence, Brian Tyree Henry, Jayne Houdyshell

Assista ao trailer!