Os Colonos

Crítica: Os Colonos

3.5

Os Colonos é o longa de estreia do chileno Felipe Gálvez Haberle depois dele ter realizado três curtas. Logo no seu debut, o cineasta demonstra vigor, personalidade e alinhamento com as ideias e as lutas do seu tempo ao contar uma história sobre a colonização do Chile pela perspectiva da população indígena. Na essência, Os Colonos é um drama histórico que deseja deixar marcas na cinematografia mundial ao revisar um gênero colonialista na sua gênese e que se transformou em uma espécie de totem da cultura estadunidense, o western.

Em Os Colonos, Felipe Gálvez Haberle traz a missão incumbida pelo proprietário de terras José Menéndez a um grupo de cavaleiros formado pelo capitão inglês Alexander MacLenan, um mercenário dos EUA conhecido como Bill e o mestiço chileno chamado na região de Segundo. O objetivo declarado da missão é cercar as terras de Menéndez. No entanto, a empreitada é formada para a promoção de um verdadeiro massacre a povos indígenas que estão nas proximidades daquela propriedade.

Gálvez Haberle subverte noções de heroísmo ao retratar seus personagens brancos como figuras abjetas. Enquanto na tradição dos westerns hollywoodianos do século passado personagens como o capitão MacLenan seriam os galãs brancos com protagonismo heróico absoluto, aliado da causa de minorias ou oponentes dos vilões indígenas, em Os Colonos o personagem é a representação do que existiu de mais repulsivo no processo de colonização da América do Sul. Esse deslocamento é o “motor” do longa de Gálvez Haberle e é conduzido com muita coerência e força pelo diretor.

Os Colonos

Um dos traços mais singulares de Os Colonos é o uso da sua fotografia, um trabalho exemplar de Simone D’Arcangelo, em prol da narrativa que o diretor quer realizar. Valorizando aspectos da paisagem natural dos Andes através dos seus cenários campestres marcados pelas montanhas e pelas névoas, Haberle e seu diretor de fotografia trazem para Os Colonos uma atmosfera soturna, quase que fantasmagórica. O filme parece convocar uma lembrança de histórias de mansões mal assombradas para estabelecer paralelos entre essas narrativas e a percepção do realizador sobre a identidade do seu país, um Chile forjado pela violência e pela opressão, ainda muito mal resolvido com esse passado que permeia cada memória daquela nação.

Há ótimas atuações no elenco do filme, como o inglês Mark Stanley que interpreta o capitão MacLenan. No entanto, os destaques do longa são mesmos seus atores indígenas. Camilo Arancibia está ótimo como Segundo. Tendo pouquíssimos recursos de expressão, Arancibia reage à barbárie promovida pelos brancos com as expressões siginificativas do seu rosto, muitas vezes entregando percepções ambíguas em razão de segundos. Também merece destaque o trabalho da atriz Mishell Guaña, intérprete da esposa de segundo no terceiro ato do filme. Com pouquíssimos momentos de tela, Guaña marca a produção com uma performance que tem características similares a do seu colega, encerrando a produção em um plano fechado.

Os Colonos é um ótimo exercício de forma de Felipe Gálvez Haberle, que faz uma revisão consistente sobre o gênero cinematográfico western. No entanto, não é um exercício puramente formal, ele é propositivo com um forte discurso de revisionismo histórico e cinematográfico sobre os lugares conferidos a determinados estereótipos de personagens. Nesse processo, Os Colonos demonstra muita força política ao falar sobre a história do Chile pela perspectiva de povos que seguem agressivamente oprimidos em diversas frentes em toda a América do Sul, incluindo o Brasil.

Direção: Felipe Gálvez Haberle

Elenco: Mark Stanley, Camilo Arancibia, Benjamin Westfall

Assista ao trailer!