Durante uma discussão, Marie (Bérénice Bejo) e Samir (Tahar Rahim) acabam confessando um ao outro a verdadeira natureza do relacionamento que estabeleceram ao longo de oito meses. Ambos são parceiros substitutos, escolhidos para suprir amores mal resolvidos no passado. No entanto, por mais que se esforcem para refazer as suas próprias trajetórias, acabam não percebendo que sustentam no presente seus respectivos passados na esperança de que um dia as coisas retornem a ser como antes. Ilusão… O Passado, novo filme do iraniano Asghar Farhadi, que em 2012 venceu o Oscar de melhor filme estrangeiro por A Separação, traz temas recorrentes na carreira do diretor: famílias disfuncionais tragadas por situações que escapam às suas próprias vontades, desgastando e dissolvendo todos pólos desse núcleo familiar. Em todos eles, o amor não é o suficiente para manter uma família unida, pelo contrário, torna as tentativas de resolução dos conflitos ainda mais dolorosas e traumáticas.
O Passado começa com o retorno do iraniano Ahmad (Ali Mosaffa) a Paris para assinar os papéis do divórcio com Marie (Bérénice Bejo). No momento, Marie planeja se casar com Samir (Tahar Rahim), com quem vive desde que sua esposa entrou em coma após atentar contra a própria vida. O casal recebe Ahmad na sua casa, onde vivem também as filhas dela e o único filho de Samir, Fouad (Elyes Aguis). Quando era casado com Marie, Ahmad estabeleceu um elo de amizade muito forte com a filha mais velha dela, Lucie (Pauline Burlet), que, por sua vez, guarda uma raiva profunda da mãe pela instabilidade de sua vida amorosa e pelas idas e vindas do seu padrasto mais amado a Paris.
Essa teia de relacionamentos truncados faz toda a engrenagem de O Passado funcionar com muita fluidez e humanidade. Todos os dramas e perspectivas apresentadas são próximos da realidade de qualquer espectador. Com essa mesma destreza, Asghar Farhadi conduziu A Separação e À Procura de Elly, demonstrando firmeza na condução dos seus personagens e na compreensão de suas motivações a cada novo desdobramento da trama. Evitando sobrepor-se a sua própria história com qualquer subterfúgio visual, Farhadi concentra seus esforços no elemento humano, o seu forte e o enfoque da sua narrativa.
O diretor ainda encontra apoio no seu afiado elenco. Bérénice Bejo mostra-se uma atriz interessante ao compor uma personagem tensa que parece ter perdido todo o viço tamanho o cansaço com a inconstância de sua vida afetiva. O desempenho de Tahar Rahim vai por um caminho bem parecido, mantendo discretamente a expectativa, ainda que remota, de uma reviravolta na sua história. Contudo, o personagem mais interessante do triângulo pertence a Ali Mosaffa, Ahmed parece não querer cortar o elo que o ligou a Marie por tantos anos. Mosaffa preenche o seu personagem com uma dignidade que transborda cada cena e torna crível a razão pela qual Marie não conseguiu superar os entraves do casamento dos dois. Para completar, ainda somos agraciados com o desempenho surpreendentemente maduro do garoto Elyes Aguis que reage com rebeldia e incompreensão a tamanha confusão amorosa que se estabelece entre os adultos que fazem parte da sua vida.
Conferindo dinamicidade e vivacidade a esses personagens tão vulneráveis e falhos, o elenco dá vida e transforma o roteiro muito bem desenhado pelo próprio realizador em um filme sensível e próximo das platéias. O Passado não cria empatia com o espectador através de artifícios visuais, o que não seria condenável caso fosse essa a sua proposta, mas por intermédio de histórias à flor da pele sobre indivíduos que sofrem de um mal comum que assola a contemporaneidade, a dificuldade de amar ou de fazer um sentimento nobre sobreviver em meio a tantos estímulos negativos e empecilhos do mundo material, físico. Se Asghar Farhadi continuar fazendo histórias como essa, com esse elevado fator humano e que tanto fazem falta no cinema contemporâneo, onde quer que venha filmar, já terá seus seguidores e admiradores fiéis.