O desconhecido! Talvez “ele” seja aquilo que mais perturba o ser humano. O oceano profundo, os céus longínquos, a imensidão do mundo digital…São diversas as possibilidades angustiantes que a sociedade pode encontrar caso pare para pensar em sua existência.
Todavia, há também uma espécie de segurança (ilusória) de que existem aqueles que cuidam da proteção da população. Obviamente que as certezas são, infelizmente, para os privilegiados, em todos os seus graus e potencialidades de privilégios.
E é assim que, em O Mundo Depois de Nós, o público acompanha a jornada de alguns desses que possuem certo privilégio, principalmente em termos de classe, mas também de raça e gênero. E toda a narrativa se inicia da forma mais privilegiada possível. Afinal, quem tira férias repentinamente, só porque sentiu vontade, se não contar com uma vida minimamente avantajada, não é mesmo?
Inclusive, é desta maneira que a família central do novo longa-metragem de Sam Esmail (Mr. Robot) ganha o direito de sobreviver, porque eles têm a possibilidade de sair da cidade grande e repousar na hora que querem. Ao lado deles, também acompanha-se um pai e uma filha, donos da casa alugada.
A dupla também se salva do perigo que chegará dentro da trama, justamente por possuir recursos financeiros para serem proprietários de uma residência enorme, com piscina, em um local mais sossegado. Neste sentido, dentro deste contexto, a direção e o roteiro de Esmail (que escreveu ao lado de Rumaam Alam) acerta ao entregar o caos progressivamente, ainda que de forma intensa.
A suposta proteção e racionalidade das classes média e alta são abaladas pelos infortúnios repentinos, extremos e absurdos, tornando a sessão um tanto prazerosa. Porque aqui, assim como em muitas distopias, as regras precisam ser quebradas e uma espécie de novo sistema estabelecido, estilhaçando o que havia de benefícios no passado.
No entanto, nesta obra há um caminho um tanto distinto, porque a nova ordem nunca é exatamente alcançada. Não existem líderes, respostas, explicações, são dúvidas em cima de dúvidas, permeadas pelo medo das personagens da morte iminente e de um ataque que pode ou não chegar. Por isso que o filme funciona, mesmo que em partes, em manter o espectador curioso.
Ao mesmo tempo, existe um cansaço provocado pela mesma estratégia que imprime qualidade para a produção. A atmosfera de fim do mundo passa a se repetir, a partir do segundo ato, juntamente com os traços das personalidades das personagens. Truncadas, elas não se desenvolvem na mesma medida que a ambientação provoca.
Ainda que seja intencional, é necessário criar empatia ou suspeita em cima de figuras ficcionais para que o enlace com uma ficção seja completo. Em um dado momento, o público pode se perguntar o porquê de ainda estar assistindo aquela história e até mesmo parar antes do seu final.
Esta crítica que vos escreve alerta, porém, que o desfecho é a cereja do bolo de O Mundo Depois de Nós, porque amarra com cinismo e fluxo contínuo o que é trazido como argumentação central. Ninguém sabe ou tem controle de nada neste planeta e é quase falsa a ideia de poder.
O privilégio compra saídas, mas até mesmo ele tem limites, quando se é arrogante demais para achar que dinheiro e network são apenas o suficiente. Por que não ver o final da décima temporada de Friends então? Se o enredo parece rodar em círculos eternos é por um motivo: a sobrevivência e a existência não andam em uma linha reta. Em um longa tão multifacetado e estilhaçado, mas coeso, é difícil não reproduzir uma crítica semelhante a ele.
Mas, para ajudar o leitor a decidir se vale a pena ou não assistir esta narrativa quase insana, a dica seria sim, veja! Talvez, quem embarcar na sessão se irrite, se frustre, se canse, se questione sobre o que está fazendo com sua vida e seu tempo…
Sim, parece sacal dizer isso, mas na hora que o consumidor chegar na minha última pergunta, Esmail terá concluído seu objetivo. O Mundo Depois de Nós não é um filme irretocável ou até mesmo excelente ou bom. Ele passa na média, ali, raspando. A suspensão se esvai quando os mesmos truques são usados (os cervos ou o som estridente, por exemplo). A repetição de situações e a ausência de encaminhamento para as situações deixam uma sensação de tédio. Contudo, com um elenco afinado e de peso (Julia Roberts, Mahershala Ali, Ethan Hawke etc) e uma premissa curiosa e provocativa, a projeção se faz digna e justa. Poderia ser melhor, mas talvez ela seja como os seres humanos, estressantes, errantes, mesmo que com boas intenções…
Direção: Sam Esmail
Elenco: Julia Roberts, Mahershala Ali, Ethan Hawke
Assista ao trailer!