O Menino e a Garça

Crítica: O Menino e a Garça

3.5

Mais recente longa de animação de Hayao Miyazaki e seu Studio Ghibli, O Menino e a Garça acompanha a jornada de Mahito, um garoto de 12 anos tentando se recuperar da morte repentina da mãe enquanto o pai reestabelece sua vida com uma nova esposa. Enquanto se habitua com a nova família, Mahito é surpreendido pelas constantes aparições de uma garça. O animal revela ao rapaz que sua mãe ainda está viva e que há meios para reencontrá-la.

Mesmo ensaiando há alguns anos um afastamento dos holofotes, Hayao Miyazaki segue realizando suas animações com o mesmo fôlego poético e filosófico dos primeiros anos da sua carreira. O Menino e a Garça persegue as maiores qualidades de toda a filmografia do cineasta: um flerte inesgotável com a fantasia na criação de um universo estimulante e uma trama que equilibra insights existenciais e muita emoção ao abordar sentimentos e conflitos humanos instantaneamente identificáveis pela maior parte do seu público, seja ele infantil ou não. As animações de Miyazaki definitivamente não são apenas para crianças e muitas vezes o público adulto aproveita mais as investidas do cineasta do que os “pequenos”.

No âmbito mais elementar, O Menino e a Garça é um filme sobre a superação do luto. A jornada do garoto Mahito é toda centrada no conflito de um jovem que, compreensivelmente, rejeita a ideia de lidar com a realidade da morte e perde completamente o interesse pela vida, tentando se agarrar na esperança ilusória mínima de reencontrar a sua mãe. O filme de Miyazaki lida de maneira muito madura com o tema. O impacto aqui é encarar a experiência do luto na infância, o primeiro contato com a ideia de finitude da vida em contraponto com uma fase da nossa jornada na qual o fim parece não ser um horizonte e abraçamos uma certa prepotência, um momento no qual acessamos muito pouco qualquer noção de consequência e de limitações das nossas possibilidades.

O Menino e a Garça também faz uma reflexão sobre a forte inclinação da humanidade para a barbárie a partir de sua contextualização histórica. O filme de Miyazaki é ambientado no período da Guerra do Pacífico (1941 – 1945) e naturalmente herda o trauma do Japão com a guerra, utilizando a história de Mahito como forma de refletir sobre essas questões. Com o desenrolar da história, Mahito entra em contato com um de seus ancestrais, um sujeito que lhe lega como desafio construir uma humanidade melhor, mais pacífica. O desencanto decorrente do luto se mistura com a desesperança da guerra intensificando ainda mais a melancolia, um sentimento muito presente na construção atmosférica desse filme. Nesse sentido, O Menino e a Garça se apresenta ao espectador como um conto bucólico e introspectivo durante boa parte da sua projeção. (ATENÇÃO! O PRÓXIMO PARÁGRAFO CONTÉM SPOILERS!!!)

O Menino e a Garça

Miyazaki resolve o conflito de emoções do protagonista com um “pé na realidade”, mas com a sabedoria que lhe é peculiar, entendendo que lidar com a dor parece algo inerente a nossa jornada e que existe beleza nisso quando contemplamos a maneira como atravessamos esse momento. Dessa forma, nos tornamos outra pessoa, alguém mais resiliente. É assim que Mahito nos deixa ao final de O Menino e a Garça e Miyazaki conclui com a sabedoria que lhe é peculiar sua mais recente obra.

O Menino e a Garça é uma animação visualmente impecável, confirmando a habilidade de Miyazaki e dos Studio Ghibli em lidar de forma inventiva com o visual dos seus personagens (impossível esquecer figuras como o homem-garça, as avós de Mahito ou os habitantes do reino dos periquitos australianos), bem como dos seus cenários, sempre cheio de cores.

Como em A Viagem de Chihiro, Miyazaki concebe em O Menino e a Garça um universo imaginado que funciona não apenas pela via do encantamento, mas também pelo tom ameaçador e amedrontador do desconhecido, no liame entre o sonho e o pesadelo, algo bem coerente da parte do cineasta por se tratar de uma história que faz colidir temas como a morte e a guerra. Assim como Chihiro, também é sensível em O Menino e a Garça a forma como as realidades imaginadas se sobrepõem a partir do momento que Mahito segue o animal que lhe desafia. Esses universos não apresentam correspondência com a lógica operante no mundo real, mas possuem diversas referências do mesmo, e se sucedem abruptamente fazendo a história assumir diversos tons em fração de segundos: do encantamento ao medo. Nesse sentido é interessante observar como o tom quieto que predomina no começo de O Menino e a Garça é sucedido pelo frenesi vertiginoso da jornada de Mahito na sua “toca do coelho” de Alice.

O Menino e a Garça é mais uma realização cheia de intensidade e muito bem realizada por Hayao Miyazaki, um diretor que sempre está disposto a levar a animação ao patamar que lhe é próprio, apesar de muitas vezes negado, o de arte cinematográfica. Como toda a filmografia do diretor, a animação é terreno fértil para a imaginação e também para a reflexão sobre a condição humana.

Direção: Hayao Miyazaki

Elenco: Soma Santoki, Masaki Suda, Kô Shibasaki

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