Robert Eggers é um dos cineastas mais cultuados pela atual geração de fãs do cinema de horror. O diretor de A Bruxa e O Farol faz sua primeira grande concessão à indústria com O Homem do Norte. Eggers é cria da A24, a mais renomada casa do cinema independente na atualidade, e construiu sua fama como um dos principais nomes do horror contemporâneo com filmes de baixo orçamento e apurado senso artístico. Em O Homem do Norte, o cineasta sai da A24 e concebe com a Focus Features, subsidiária da Universal Studios, um épico viking com um orçamento de cerca de US$ 60 milhões cuja história teria inspirado William Shakespeare a escrever Hamlet, peça sobre um príncipe que retorna para o seu reino para vingar a morte do pai, assassinado brutalmente pelo seu próprio tio.
O mais incrível desta primeira incursão de Eggers por um “cinema de estúdio” é que ele consegue encontrar um equilíbrio interessante entre oferecer um filme mais palatável para o grande público com aspiração para o clássico, algo que A Bruxa e O Farol não foram (se é que podemos classificar O Homem do Norte como um filme agradável para uma audiência média), mas que não perde em momento algum a sua autenticidade. Na tela, é inegável que o longa possui os vestígios da assinatura do seu cineasta. Isso contraria os boatos de que o estúdio tinha interferido bastante em O Homem do Norte a ponto de incomodar o próprio cineasta, que, dizem, parece não estar mais interessado nesse tipo de experiência. Se foi como dizem, isso não é sentido na tela, o épico viking do diretor é uma obra bem consistente.
O Homem do Norte é inegavelmente “cria” de Eggers com toda a sua ação bruta, ríspida, crua e violenta. A violência é gráfica e o cineasta enche o filme de vestígios da brutalidade dos ritos dos guerreiros vikings com imagens que causam repulsa tal qual alguns dos mais emblemáticos momentos de A Bruxa e O Farol. O diretor ainda consegue trazer para o seu épico uma atmosfera fria (não só pelo clima) e até suas inclinações para o folk horror, com a presença determinante de bruxas, uma encarnada por Anya Taylor-Joy e outra por Björk, em participação especial que não dura mais que cinco minutos.
O Homem do Norte acompanha a saga de Amleth (Alexander Skarsgard), príncipe que testemunha a morte do pai, o rei Aurvandil (Ethan Hawke) pelas mãos do tio Fjölnir (Claes Bang). O ardil parente do príncipe não só assassina o irmão e toma o reino do seu pai, como se torna o novo marido da sua mãe, a rainha Gudrún (Nicole Kidman). Quando adulto, Amleth se infiltra nos domínios da sua família como um escravo e passa a colocar em prática seu plano de vingança com a ajuda de Olga (Anya Taylor-Joy), uma jovem bruxa por quem acaba se apaixonando.
O Homem do Norte consegue capturar com verossimilhança o seu contexto histórico em elementos plásticos como fotografia, direção de arte e figurino, mas também em toda a preparação que seu elenco teve que se submeter. Os homens do filme são verdadeiras massas brutas, preparados para causar e suportar qualquer ato de violência com objetividade e sem remorso. As mulheres, por sua vez, exibem uma certa melancolia por serem relegadas a segundo plano ao passo que igualmente ganham uma “casca” na medida em que criam as suas próprias armas para sobreviver nesse contexto.
O filme é, claro, dominado pela performance dedicada do seu protagonista Alexander Skarsgard. O ator convence o espectador desde o momento em que surge na tela vestido de lobo uivando com olhar obsessivo para o vazio. A performance de Skarsgard de certa forma acaba assumindo o próprio tom do filme, uma narrativa seca repleta de personagens que perderam a humanidade ou estão com ela por um fio. É claro que Skarsgard se preparou fisicamente para o papel, mas, diferente da composição de alguns dos seus colegas para papéis similares – basta pensarmos nos filmes da Marvel -, o ator não reduz a ideia de transformar o seu protagonista em uma besta humana simplesmente pela aquisição de massa muscular. Alexander Skarsgard trabalha toda a brutalidade do personagem, uma verdadeira muralha em forma de gente, na expressão corporal encurvada e ameaçadora que exibe durante boa parte de O Homem do Norte. Skarsgard consegue traduzir essa brutalidade de Amleth até mesmo na seara afetiva do personagem, já que o protagonista se revela um sujeito com extrema dificuldade de comunicar sentimentos – algo perfeitamente compreensível dado o background do personagem. Com isso, Amleth tem dificuldade para ceder espaço a emoções mais à flor da pele, mesmo quando parece senti-las, como acontece em diversos momentos nos quais divide a cena com as personagens de Kidman e Taylor-Joy, sua mãe e namorada, respectivamente.
Os demais atores do filme têm grandes momentos (Taylor-Joy, Claes Bang, Ethan Hawke, Willem Dafoe), mas não poderíamos deixar de mencionar a grande oportunidade que Robert Eggers dá a Nicole Kidman de protagonizar a cena de maior impacto de toda a história ao lado de Skarsgard. Durante todo O Homem do Norte, a rainha Gudrún parece ficar em segundo plano nos reinados dos seus maridos (Hawke e Bang), no entanto, é em um monólogo para o filho já adulto que a personagem revela por completo a sua natureza e como é interessante ver a atriz dominar com maestria cada linha daquele texto.
Quem estava com receio de Robert Eggers desvirtuar o cunho autoral do seu cinema com O Homem do Norte pode respirar aliviado por o longa é tão macabro e místico quanto suas obras anteriores. Com um visual caprichado, o filme abusa da violência e oferece cenas de ação que prendem o espectador na poltrona (destaque para o duelo final entre os personagens de Skarsgard e Bang em meio às lavas de um vulcão prestes a entrar em erupção). Ao mesmo tempo, quem tinha um certo receio de se aventurar pelo cinema do cineasta por sua inclinação para o horror e por isso evitou A Bruxa e O Farol, terá nesse longa uma ótima oportunidade para conhecer o trabalho do cineasta.
Direção: Robert Eggers
Elenco: Alexander Skarsgård, Nicole Kidman, Claes Bang, Anya Taylor-Joy, Ethan Hawke, Björk, Willem Dafoe, Gustav Lindh
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