Crítica: O Décimo Homem

Em O Décimo Homem, o realizador argentino Daniel Burman, vencedor do Festival de Berlim por O Abraço Partido em 2004, adentra na jornada de auto-conhecimento do seu protagonista, Ariel, interpretado por Alan Sabbagh, um judeu na faixa dos seus trinta anos que retorna a Buenos Aires atendendo a um pedido da família que deixara na capital argentina. Como o próprio personagem sublinha na narração de uma de suas memórias de infância, a preparação de um biscoito recheado com doce de leite, o que acaba sendo mais importante em toda a projeção de O Décimo Homem é a jornada desse personagem, muito mais do que uma possível conclusão desse processo. E é por essa leitura que o filme acaba tornando-se mais interessante ao espectador.

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O caminho percorrido por Ariel é transformador em estranhamentos, reconhecimentos, pequenos gestos e silêncios. Pouco familiarizado com a tradição judaica, afinal vive há anos em Nova York, onde trabalha no mercado financeiro, Ariel volta a ter contato com a organização de caridade do seu pai (uma importante ausência sempre presente na jornada desse personagem), mas também com traços importantes da sua identidade que pensava estar esquecida. Burman valoriza cada um desses movimentos de auto-análise do seu protagonista sem muita estridência, tudo é muito quieto e simples. O diretor opta por um filme marcado pela ausência de picos dramáticos, o que, se por um lado beneficia o longa ao esmiuçar a intimidade do seu personagem principal, também perde em ritmo e na garantia de uma fidelização maior da atenção ou do envolvimento emocional do seu espectador.

Contado em capítulos que correspondem aos dias passados por Ariel nessa Buenos Aires habitada por uma comunidade judaica de tradições religiosas muito fortes, O Décimo Homem nos mostra como estar em terra estrangeira pode significar um fortalecimento do senso de pertencimento a um grupo (o caso da família de Ariel em Buenos Aires), mas também um desligamento por completo das nossas origens (o próprio Ariel quando foi para solo norte-americano). O longa pode não ser o tipo de produção argentina que costumamos assistir nos cinemas, com suas características de gênero sempre enfáticas em suas sequências e nas dinâmicas dos seus personagens,  mas talvez por isso mesmo seja um filme interessante para ser visto. É verdade que não há ineditismo nas opções narrativas, na estética ou nas conclusões extraídas por Daniel Burman para essa crônica social, mas seu olhar para seu protagonista e seu estranhamento com o que antes lhe fora tão familiar tem muita força e relevância em uma sociedade marcada por estranhamentos urbanos e multiculturalismo.