O Auto da Compadecida 2

Crítica: O Auto da Compadecida 2

2.5

O Auto da Compadecida de Guel Arraes é um dos filmes nacionais mais queridos pelos brasileiros. Não demorando muito para a tendência de sequências “tardias” cimentadas pelo desejo de consumo da nostalgia chegar ao nosso cinema, O Auto da Compadecida 2 estreia nas salas de todo o país no Natal de 2024. O longa de Guel Arraes e Flávia Lacerda até tem os seus momentos, mas fica evidente para o espectador que a falta de um material base de Ariano Suassuna prejudica consideravelmente um roteiro que acaba cedendo à tentação de replicar a história original, sobretudo no seu terceiro ato quando, mais uma vez, João Grilo tem suas ações julgadas por Jesus Cristo e pelo Diabo, sendo defendido novamente por Maria. .

O Auto da Compadecida 2 é ambientado anos depois dos eventos do primeiro filme. João Grilo não está mais em Taperoá e Chicó se vira sozinho na mesma cidadezinha como um contador de histórias, sobretudo dos feitos do seu amigo. Quando a dupla se reencontra em meio a uma corrida eleitoral entre um coronel e um empresário do ramo da comunicação, algumas situações testam novamente a ética de João Grilo e o colocam de novo sob julgamento quando, mais uma vez, sua vida fica por um triz.

A continuação do trabalho de O Auto da Compadecida tem um ótimo começo. Selton Mello e Matheus Nachtergaele demonstram não perder o espírito dos personagens que criaram há mais de vinte anos atrás, rendendo ótimos momentos juntos ou separados, sejam eles cômicos ou dramáticos, lidando muito bem com o ritmo acelerado que é tão peculiar à dramaturgia de Guel Arraes. Há algumas adições ao elenco que parecem interessantes, como o carioca trambiqueiro interpretado por Luís Miranda ou o radialista e empresário vivido por Eduardo Sterblitch. Virginia Cavendish está de volta como uma Rosinha amadurecida, dando vazão a uma mocinha contemporânea que já fazia muito bem lá na produção de 2000. O longa também ganha bastante com algumas decisões artísticas, como o cenário construído em estúdio que traz para a arquitetura e a geografia de Taperoá um estilo bem peculiar beirando os traços de uma literatura de cordel.

O Auto da Compadecida 2

O grande problema da sequência de O Auto da Compadecida é apresentar uma série de caminhos possíveis e originais para sua trama, mas acabar recorrendo à repetição de eventos que tornaram icônico o longa original. É incompreensível esse cacoete da maioria das sequências “tardias” de grandes sucessos do cinema. Parte delas acha que basta replicar uma série de eventos do roteiro do original para conceber uma sequência que se justifique. O Auto da Compadecida 2 cai na mesma armadilha e prejudica o trabalho competente do seu ótimo elenco. No lugar de olhar para o futuro, para seus novos personagens e potenciais possibilidades da sua história em 2024, O Auto da Compadecida 2 opta pela zona de conforto do passado e leva seu roteiro a uma linha decrescente de qualidade.

Atenção! A partir daqui, spoilers! O Auto da Compadecida 2 repete toda a sequência de morte de João Grilo e do seu julgamento por Jesus, o Diabo e Nossa Senhora só que de forma piorada. No original, isso era muito bem construído e atrelado ao propósito da trama de Suassuna. O autor queria falar sobre a realidade brasileira, sobre a corrupção humana e o juízo que podemos fazer dela em diversas circunstâncias a partir do julgamento de diversos personagens, com backgrounds muito diversos. Aqui, somente João Grilo está no banco dos réus e tudo parece redundante se comparado ao primeiro filme. Parece que o julgamento de Grilo existe na sequência para satisfazer a nostalgia do público com o roteiro da primeira história e não porque a trama dessa sequência, que vinha em um desenvolvimento próprio com diversas possibilidades de histórias (como o triângulo amoroso de Chicó, a corrida política), estava requerendo esse momento em seu terceiro ato.

Definitivamente, ir ao cinema e assistir Selton Mello e Matheus Nachtergaele como Chicó e João Grilo em O Auto da Compadecida 2 segue um programa melhor do que a maioria dos filmes em cartaz nos cinemas ou das sequências caça-níqueis que chegam a rodo nas salas a cada mês. No entanto, não deixa de ser frustrante constatar que um longa como este, com um elenco com o timing cômico que tem, vê seu potencial desperdiçado por decisões que o enfraquecem narrativamente e só demonstram a insegurança do seu roteiro em alçar voos mais ambiciosos.

Direção: Guel Arraes, Flavia Lacerda

Elenco: Matheus Nachtergaele, Selton Mello, Luis Miranda, Taís Araújo

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