Nós

Crítica: Nós

O mistério do desconhecido é pauta para muitos filmes, em especial os de terror. Mas este fato por si só não rende uma grande película. É preciso saber traçar um bom caminho no roteiro para que a trama não caia na falta de imaginação. Nós consegue cumprir este propósito de maneira exemplar, nos oferecendo um thriller completamente tenso e verdadeiramente assustador.

O diretor Jordan Peele retorna com mais um filme de terror, depois do sucesso de Corra! (2017), longa que fala muito sobre o racismo e a ideia de supremacia de raças, associado ao medo. Naquele longa, o cineasta já nos mostrou o quanto de potencial tem para dirigir este modelo de trama, onde criou uma tensão constante no espectador, tanto a partir da construção da narrativa, quanto no uso de recursos técnicos como enquadramentos de câmeras, trilha sonora, fotografia e figurino.

Em Nós a situação não foi diferente. Peele, que assina como roteirista, produtor e diretor, traz uma família comum composta pelos pais, um filho e uma filha, todos negros de classe média, curtindo o verão na casa de praia. Mas isso só é feito depois que um elemento aterrorizante é introduzido na trama. A garotinha que se perde dos pais no começo do filme e se vê assustada ao entrar em uma sala de espelhos num parque de diversões.

O filme logo nos mostra que Adelaide é a menina que cresceu e viveu ao longo de tantos anos com o trama causado naquele dia. Ela desconfia de tudo que acontece ao seu redor e não ignora as coincidências dos fatos, como números e pessoas aleatórias que surgem no seu caminho. A complexidade de sua personagem vai sendo desvendada aos poucos, mas de maneira contundente. Ela é determinada em tudo o que faz, principalmente no papel de salvar sua família.

Vale ressaltar, inclusive, que o elemento feminino é valorizado na construção da trama de Nós. Os homens que surgem ao longo da história, sejam eles o pai da menina, o marido ou o amigo, são completamente dispensáveis. Não no quesito de construção de enredo, mas no sentido de cooperação com o que acontece. Quem decide tudo, quem se defende, quem toma as decisões e as rédeas da situação são as mulheres, em absolutamente todos os momentos.

Tudo isso faz parte de uma imensa colcha de retalhos que vai sendo construída muito sabiamente por Peele. O filme dá margem a interpretações, mas deixa muito claro seu raciocínio e objetivo. Ele faz uso do cinema de horror e absurdo, choca o espectador com as cenas de violência e perseguição. Tudo isso muito bem orquestrado com a trilha sonora marcante e a fotografia cuidada com esmero. Vale aqui o destaque à paleta de cores claras que é utilizada por Lupita. Isso reforça visualmente todo o sangue que surge ao longo da trama, além de fazer uma referência ao lado bom da protagonista.

Falando em atores, temos uma excelente escolha de elenco, principalmente os coadjuvantes. Elizabeth Moss (The Handmaid’s Tale) tem uma breve participação com uma personagem afetada, mas o faz com maestria, se destacando nas cenas em que aparece. O mesmo vale para a novata Shahadi Wright Joseph, que interpreta a filha da protagonista. A garota vai evoluindo na trama, passando de assustada à determinada em salvar a própria vida, independente dos traumas que estão surgindo.

No entanto, é Lupita Nyong’o (12 Anos de Escravidão) que conduz toda a trama e nos presenteia com uma atuação impecável. Ela consegue variar entre tantas emoções e perfis, passeando pela dor, amor, medo, sofrimento e determinação em segundos. Isso sem falar na personagem Red, que deixa qualquer espectador acuado na poltrona do cinema. Verdadeiramente assustadora.

Nós é um filme que transita pela arte e pelo comercial com equilíbrio. Acompanhamos o desenvolver da trama que vai muito além do ápice de encontro dos duplos. Ele brinca com a ideia de que tudo aquilo se trata da mesma pessoa e as personalidades boa e ruim que vivem dentro dela. Peele faz isso com pinceladas de humor macabro, onde efetivamente rimos de nervoso do que está acontecendo. São respiros necessários para a trama, que deixa o espectador efetivamente sem ar.

Alguns elementos tornam-se desnecessários, principalmente na segunda metade da trama. Explicações que não precisavam ser dadas e que poderiam ser conferidas a imaginação do espectador. Tanto que a revelação ao final do filme não chega a ser tão surpreendente. Ela funciona muito mais para bagunçar a história (de maneira positiva e acertada). Nós é um verdadeiro filme de terror, na melhor definição do gênero.

Direção: Jordan Peele
Elenco: Lupita Nyong’o, Winston Duke, Elisabeth Moss, Shahadi Wright Joseph

Assista ao trailer!

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