No Lugar da Outra

Crítica: No Lugar da Outra

3.5

Apesar da abordagem ser inspirada em ocorrência local, o filme No Lugar da Outra, da diretora Maite Alberdi, discute temas universais ainda pertinentes. Por isso, é fácil compreender a escolha como o representante chileno para concorrer ao Oscar 2025, na categoria Melhor Filme Internacional. O longa envolve o espectador nas angústias existenciais, descontentamentos cotidianos e anseios por novas vivências da protagonista e traz louváveis pontos aos importantes debates sobre papéis de gênero e patriarcado.

Na trama, a escritora chilena Maria Carolina Gee (Francisca Lewin) mata o amante e o caso provoca o interesse de Mercedes (Elisa Zulueta), uma acanhada secretária do judiciário. Ao acessar a casa da homicida, Mercedes desenvolve enorme fascínio pelo lar e objetos pessoais de Maria, como roupas, maquiagens e livros. Baseado em caso real ocorrido na década de 1950 e contado no livro “Las Homicidas”, da escritora Alia Trabucco Zerán, o filme não destaca tanta atenção às implicações do crime em si, mas sim aos processos de inquietação de uma mulher que não faz parte da elite financeira e cultural. Mercedes é uma mulher comum, com filhos, marido e uma penca de louças e roupas para lavar.

Os infortúnios do dia a dia da competente secretária são expostos já nos minutos iniciais de No Lugar da Outra. Após acordar contrariada (ainda que já habituada) com o ronco do marido, o espectador conhece o lar da protagonista: uma pequena casa que acumula mais objetos que o espaço permite. Assim, é fácil esbarrar na enceradeira esquecida próxima à escada e sentir estresse poucos minutos depois de levantar da cama. As “pequenas” opressões do lar ganham concretude com a representação visual acinzentada do ambiente em que Mercedes divide espaço com a família e realiza as rotineiras tarefas de dona do lar.

Embora a cordialidade e a parceria profissional com o marido fotógrafo, que usa a sala da casa como estúdio, existam naquela dinâmica familiar, as micro agressões são frequentes. Exemplo, em conversa aparentemente descontraída, um dos filhos de Mercedes diz que será juiz como a mãe. No momento seguinte, o marido responde: “sua mãe poderia ser sua secretária”. Imediatamente a matriarca expressa contrariedade com a brincadeira de mal gosto no olhar, mas claro, ninguém repara que ela se sentiu mal.

No Lugar da Outra

Acertadamente, os homens da casa não são representados como vilões. Ponto para o roteiro de No Lugar da Outra, escrito por Maite Alberdi, Inés Bortagaray e Paloma Salas, que destaca a exploração do trabalho da mulher em dinâmicas diárias e a ausência de empatia naquele ambiente como questões sérias, mas sem recorrer a construções maniqueistas dos algozes. Apesar de as situações ficcionais ocorrerem nos anos 1950, não é novidade que a naturalização dos papéis de gênero no ambiente doméstico ainda seja um problema persistente, mesmo com o avanço dos debates feministas. E ao contrário do que se possa imaginar, as afrontas também acontecem em lares sadios, sem violências físicas ou agressões verbais. Dito isso, um copo sujo deixado para a mulher lavar ou aquela piadinha fora de hora não são ocorrências tão inofensivas assim.

Mas afinal, o que Mercedes busca? Ao adentrar o lar da sofisticada escritora Maria Carolina, Mercedes sente-se bem não apenas por usufruir dos bons perfumes, roupas sofisticadas ou por tomar banho na banheira, imaginando-se como detentora daqueles luxos. É a ausência de vozes que provoca ampla satisfação. É a iluminação que invade a sala através da janela e toca as plantas decorativas que proporcionam paz e quietude.

Maria Carolina e Mercedes são de classes sociais diferentes, contudo, ambas são vítimas do patriarcado. Se a primeira tomou uma atitude radical contra os processos que cerceavam suas liberdades, a humilde secretária está em fase de descobertas e assimilações.

Hábil na construção da trajetória da protagonista, No Lugar da Outra oferece leitura pálida da condução do julgamento da escritora e o elo entre as histórias das figuras femininas deixa a desejar. De todo modo, o longa é um pontual registro de época. Ou ‘pior’, de épocas.

Direção: Maitê Alberdi

Elenco: Elisa Zulueta, Francisca Lewin, Marcial Tagle

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