Monica

Crítica: Monica

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Existem filmes intimistas que, na procura por  olhar tão somente o interior de suas personagens, perdem a chance de explorar elementos técnicos mais arriscados. Este não é o caso de Monica, nova produção de Andrea Pallaoro (Hannah), que está no catálogo do Net Now. Em uma co-produção Itália/Estados Unidos, a obra encanta por sua sutileza quase feroz, mas que é cheia de camadas complexas de tecnicidade que despertam a emoção do espectador, sem precisar caminhar para exageros ou exibicionismos de aspectos formais. 

Não que quem escolha este caminho esteja equivocado, tudo depende da narrativa e nesta obra o delicado ganha contornos firmes e Pallaoro investe corretamente em deixar espaço para as nuances de suas personagens, tanto em seu roteiro – escrito ao lado de Orlando Tirado (Medeas) –, quanto em sua direção. Há um jogo cênico aqui, criado entre a protagonista Monica (Trace Lysette) e sua família, principalmente a sua mãe, Eugenia (Patricia Clarkson), que constantemente não têm revelado todo o corpo ou rosto dentro do quadro.

Juntamente com a diretora de fotografia Katelin Arizmendi (Duna), a dinâmica de luz e sombra e enquadramentos, fazem com que as ações aconteçam no ecrã como em uma onda, na qual se mergulha e não se pode ver tudo. É tão complexa a construção de imagens neste longa-metragem que é até desafiador colocar em palavras esta elaboração tão ampla e profunda de sentido. Há o escondido e o posto a luz e este elemento central desta produção é algo que resume o que a história é de fato.

Desta maneira, o público acompanha relação de Monica (Transparent), uma mulher trans que retorna a casa de sua mãe, que a rejeitou por ela ser quem é, porque Eugenia (Patricia Clarkson) está em estado terminal, com um câncer no cérebro. Todavia, estas informações não são jogadas imediatamente. São nas tensões entre as personagens que o espectador vai montando o quebra-cabeça entre o passado e o presente desta família, que parece estar entrando nos trilhos por conta da iminência da morte de sua matriarca. 

Monica

Neste sentido, o trabalho de Trace com Patricia emociona também pela seleção do sutil. Respirações pontuais e olhares imprimem significados plurais em poucos segundos. A emoção é ressignificada a cada quadro, quando a materialidade da compreensão sobre a vida e os sentimentos de perda são impressos pela falta de escolha de Monica, que perdeu anos longe de sua mãe e não teve uma trajetória fácil, por ter sido expulsa de casa, bem como de todos que ficaram sem ela e tiveram que lidar com sua ausência por tanto tempo. Contudo, ainda que possuam diversos pontos qualitativos positivos, o grande destaque do filme é Patricia Clarkson. 

Talvez, o seu papel não seja tão óbvio de notar, e por isso não ganhou o reconhecimento merecido, porém o trabalho de Clarkson aqui é magistral. Existe toda uma imobilidade de Eugenia, que está perdendo a consciência e os movimentos corporais por conta do câncer. Ainda assim, Patricia convoca emoções fortes e viscerais, em seus microgestos, em sua presença ausente, na sua postura, que é rígida pela falta de controle físico que sua personagem vive, mas que é uma espécie de muralha, que vai ruindo lentamente, enquanto Eugenia vê sua vitalidade se esvaindo vorazmente. 

Criar uma cena e uma contracena tão consciente, em um papel tão imóvel é, sem dúvidas, um mérito intenso. Desta maneira, Monica é uma sessão que agrada por saber conduzir a sua melancolia para fora dos padrões exagerados de Hollywood, quando assunto são enredos sobre doenças terminais. Além disso, é inspirador ver uma atriz transgênero ganhando o destaque que merece, com uma protagonista que conta com tantos caminhos narrativos, seja por sua relação com a mãe, com o irmão, com o passado difícil, sua profissão e seu interesse romântico.

Então, esta é uma produção que vale o tempo do espectador, por possuir uma equipe coesa e uma trama emocionante. Só fica a dica para que quem for assistir prepare os seus lencinhos e respire fundo, porque em toda a sua delicadeza, Monica é forte, imersivo, silenciosamente perturbador, por sua verdade exposta, do que é a vida e o que são as pessoas antes e depois de terem que lidar com a morte e a vida tão de perto.

Direção: Andrea Pallaoro

Elenco: Trace Lysette, Patricia Clarkson, Adriana Barraza, Emily Browning, Joshua Close

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