Megalópolis

Crítica: Megalópolis

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Diretor de filmes importantes para a história do cinema, como os longas da trilogia O Poderoso Chefão e Apocalipse Now, Francis Ford Coppola tinha um projeto dos sonhos que enfim estreou nos cinemas em 2024: Megalópolis. Anos de desenvolvimento em meio às dificuldades de financiamento de um longa tão ambicioso para um cineasta que dos anos 1980 para cá teve uma relação de desconfiança dos principais investidores (os estúdios) dados os inúmeros problemas dos seus sets, sempre alargando orçamentos dos seus filmes, e os resultados decepcionantes de bilheteria. Megalópolis levou quase três décadas para “sair do papel”. O resultado é um filme que no seu corte final apresenta para o espectador esboços de boas ideias e não uma narrativa minimamente coerente.

Você pode respeitar toda a trajetória de Coppola, reconhecer sua importância para o cinema como um dos grandes expoentes da Nova Hollywood dos anos 1970 e ter filmes como O Poderoso Chefão: Parte 1 e 2, Apocalipse Now, A Conversação e Drácula de Bram Stoker como cânones e, ao mesmo tempo, reconhecer Megalópolis como um filme ruim e é nesta posição que nos encontramos. Megalópolis é um longa promissor como ideia, mas cuja execução resulta em um filme bagunçado em diversas frentes: na sua direção e no seu roteiro, na concepção visual e, sobretudo, na montagem.

O longa narra a jornada de César Catilina, interpretado por Adam Driver. Caitilina é um arquiteto que tem em mãos o projeto de uma realidade utópica para uma civilização em evidente declínio. Defendendo o seu modelo de sociedade para o futuro, César trava uma disputa ideológica com instâncias de poder, entre elas o prefeito Franklyn Cicero, vivido por Giancarlo Esposito, um sujeito que resiste às ideias do rapaz. Uma situação que agrava a cisão entre os dois personagens é o romance entre César e a filha de Franklin, Julia Cícero, interpretada por Nathalie Emmanuel.

Em seu novo filme, Coppola surge pessimista com os EUA do ponto de vista político e cultural, “caindo em si” de que a ideia do “sonho americano” foi substituída por um país em deterioração pela corrupção dos poderosos que fazem parte do seu círculo social. É uma civilização em estado de putrefação sustentada insistentemente por uma elite que lucra bastante com a desigualdade e a alienação das massas. O César de Adam Driver é uma representação de Coppola, um artista que tem trânsito nesse círculo social mais abastado, mas que não consegue “fazer valer” seus ideais. A partir disso, de fato, Coppola tem material para realizar uma interessante e criativa crítica social, por um ponto de vista bem pessoal, porém o que se vê na tela são apenas esforços.

Megalópolis

Visualmente, Megalópolis é uma bagunça de referências e uma extravagância no uso de efeitos especiais, a maioria muito mal aplicados, “poluindo” cada frame com sobreposições e uma inventividade estética que mira em várias referências, não dando tempo para o espectador absorver a profusão criativa de cada frame e o que eles significam. É o deleite pela “bela imagem” sobreposto por outra composição criada supostamente para impressionar a plateia e o cineasta vai até o fim do longa nesse modus operandi. No final das contas, o que Coppola acaba banalizando todos os esforços estéticos do seu longa.

Não há camadas nos personagens de Megalópolis. O roteiro parece contentar-se com a orientação de que todas aquelas pessoas que povoam a narrativa de Coppola são ideias e não gente. A jornalista vivida por Aubrey Plaza é uma representação da manipulação e ganância da mídia, o César de Adam Driver é a utopia de uma sociedade perfeita e o nepo baby interpretado por Shia LaBeouf é puro oportunismo. Só isso. Acontece que apenas isso não é o suficiente para engajar o público com o filme. Dentro dos traços marcantes desses personagens não há nuances.  Quando conflitos humanos são desenvolvidos, o filme opta pelo mais superficial possível, a exemplo da relação amorosa entre César e Júlia. Parte disso é porque o roteiro do longa é extremamente ensimesmado nas ideias do cineasta e seus personagens são  elementos secundários, o que torna a experiência de assistir Megalópolis fria e cansativa.

Poucas atuações chamam a atenção – e olha que falamos de um elenco com atores como Adam Driver, Dustin Hoffman, Jon Voight e Giancarlo Esposito. Talvez Aubrey Plaza e Shia LaBeouf mereçam mais destaque porque conseguem encontrar um tom mais satírico em meio à dispersão que é Megalópolis. Esses atores tentam encontrar algum sentido para para o projeto ao adotar este tom em suas atuações, saindo-se mais bem-sucedidos do que o herói shakespeariano de Adam Driver, por exemplo. Uma cena em particular protagonizada por Plaza e LaBeouf é bem curiosa, nela a jornalista manipula seu parceiro de cena culminando em uma incomum cena de sexo –  e é bem curioso perceber as intenções opostas às ações de ambos nesse momento e como os dois atores conduzem tudo isso. No mais, pouca coisa é memorável.

Pode ser que daqui há alguns anos a crítica resgate Megalópolis em uma revisão como um longa cuja péssima recepção não fez justiça ao que ele de fato é – isso pode acabar acontecendo sobretudo porque acredito que deva existir outro corte desse filme daqui algum tempo. O que temos no presente, no entanto, é o que pode ser julgado e, sendo assim, Megalópolis não é dos melhores trabalhos da  carreira de Coppola, longe disso, infelizmente, é uma das maiores decepções do seu currículo.

Direção: Francis Ford Coppola

Elenco: Adam Driver, Giancarlo Esposito, Nathalie Emmanuel, Aubrey Plaza, Shia LaBeouf, Jon Voight, Laurence Fishburne

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