Mato Seco em Chamas

Crítica: Mato Seco em Chamas

4.5

Tudo se alastra em cena em Mato Seco em Chamas, novo filme de Joana Pimenta e Adirley Queirós. É o fogo que consome o chão terroso, é a fumaça do cigarro que não sai da mão das personagens, é a tensão vinda da luta pela sobrevivência, pela vontade de vencer, de mudar a realidade opressiva, de ter contatos humanos próximos, prazerosos e intensos. Mas, também, o que se alastra é o tempo dilatado para que a plateia sinta de forma tão estreita todas as sensações reveladas na tela.

Joana e Adirley deixam que os planos longos provoquem uma imersão no espectador. Nesta mistura entre o real e o ficcional, é possível investigar e compreender os pensamentos e experiências destas três figuras centrais para a trama: Léa, Chitara e Andreia, mulheres que demonstram uma força absoluta nas suas ações, mas que ganham complexidades e camadas em seus diálogos quase confessionais, nas quais convocam as suas fragilidades, seus segredos e desejos.

Para narrar as trajetórias da personagens, existem dois modus de observação delas. O primeiro são os frames extensos de ações físicas. O segundo são os monólogos grandes preenchidos de olhares e silêncios na contracena. São nestes instantes que o universo trazido no ecrã se expande. Este aguardo pode até incomodar quem assiste, porém será frutífero esse incômodo.

A narrativa parece demorar para engatar, mas, na verdade, o que está sendo feito é consciente e fomenta esta conexão do público com a obra. Toda a dilatação temporal do longa-metragem funciona, pois quando a sessão acaba é perceptível como linguagem e discurso se amarram para contar uma história sobre resistência e resiliência, em um Brasil desigual e permeado de opressões diárias.

Neste sentido, as inserções de imagens de bolsonaristas – dos mais simplórios e fúteis aos mais perigosos, que fazem símbolo nazista e estão nas ruas de farda -, são o ponto mais solto da produção. Talvez, para brasileiros o contexto seja bastante nítido e a compreensão deste contraponto de realidades seja imediato. No entanto, o que acontece são quebras que desconectam da sessão.

Estas imagens não são exatamente ruins, no geral, mas poderiam estar mais à serviço da narrativa de Mato Seco em Chamas, entrelaçando ao enredo das protagonistas com este cenário do “Brasil de Bolsonaro”. E esta pontuação talvez seja vinda de uma questão de gosto, mais do que de afirmação ou negação de qualidade. As escolhas de Joana e Adirley soam bastante nítidas.

Mato Seco em Chamas

Mas, é um tanto cansativo que, dentro de toda essa dinâmica estendida, ainda existam esses cortes, que interferem diretamente na fruição do enredo principal. De todo modo, esta característica do longa fica pequena diante de outros tantos elementos positivos. Um exemplo é que há, dentro da proposta geral, muito sendo dito e construído discursivamente, sem que seja preciso que sejam colocadas fala diretas sobre temáticas fortes.

Existe um tom feminista, no qual se é entregue uma representação plural de mulheres que vêm de situações semelhantes – são da Favela Sol Nascente, são do crime, tiveram infâncias e adolescências difíceis etc -, possuem personalidades extremamente fortes, porém são preenchidas de particularidades que as diferenciam. São nas marcas emocionais, que os papéis principais do filme são desenvolvidos, são em instantes de confissão, de perigo, de embate etc, que suas características são colocadas em evidência.

Sejam em um olhar de Chitara para Léa, que conta sobre como seu namorado foi assassinado ou quando Léa narra que tinha três mulheres na prisão ou quando um frame longo de Adriana no culto evangélico é posto em cena. Estes detalhes é que fincam bandeira sobre quem elas são, o que desejam ou rejeitam para suas vidas, porém são informações trazidas neste tempo dilatado, que escorre junto com as reflexões sobre o contexto no qual elas fazem parte e o contexto do país.

Neste sentido, em termos de direção, ainda há um ponto que chama a atenção, que é como a dupla de cineastas criam os quadros. Para além da sua duração alongada, existe também o recurso de fechar bastante o plano, deixando com que pedaços do corpo e do rosto das personagens apareçam e desapareçam da tela. Estratégias como inverter o eixo da câmera também são colocadas em prática.

A sensação que o trabalho de Joana e Adirley passa é a de que eles desejam que o público se sinta como as suas protagonistas. Algumas vezes perdidas, angustiadas, sem saber qual o resultado que o destino trará. É no jogo do ver e não ver ou do que ver, que também são elencadas as experiências das personagens. Além disso, também há a identificação com as histórias delas e o próprio carisma de cada uma.

É por isso que esse paralelo entre sentir a aflição delas em vencer o sistema é criado – como no caso da Adriana, que é candidata pelo Partido do Povo Preso (PPP) – e as alegrias de se estar vivo, dançando, beijando, fumando, tomando uma cerveja com churrasco.  Desta maneira, entre acompanhar figuras tridimensionais, que encantam por sua presença hipnotizante na tela e a técnica, que trabalha para fomentar esta grandeza de suas protagonistas, Mato Seco em Chamas é feliz ao criar uma obra complexa, uma obra que vibra um Brasil resiliente.

Direção: Joana Pimenta, Adirley Queirós

Elenco: Joana Darc Furtado, Lea Alves da Silva, Andreia Vieira

Assista ao trailer!