Jurassic World – O Mundo dos Dinossauros é um daqueles filmes cuja dimensão afetiva está presente na experiência fílmica e até nos permitimos ao relato pessoal em uma crítica ou qualquer outro texto sobre a obra. Não pelo Jurassic World em si, que é um filme repleto de bons momentos e revitaliza de fato uma franquia, coisa que as sequências anteriores de Jurassic Park não conseguem. O afeto em Jurassic World vem pela memória, por todo um legado que o precede e que o filme, para o bem ou para o mal, faz questão de reverenciar.
Em 1993, tive uma das maiores experiências cinematográficas da minha vida, assisti por duas vezes no cinema Jurassic Park, de Steven Spielberg. Assim como o Dr. Alan Grant (Sam Neill) e Dra. Ellie Sattler (Laura Dern) ficaram impressionados com a primeira aparição de um braquiossauro, minha geração ficou extasiada com a possibilidade de ver diante dos seus olhos criaturas extintas há milhares de anos atrás, agora vivas em cores, texturas, presença. Vivíamos em uma época na qual os efeitos em CGI não eram tão banalizados no cinema, provavelmente Jurassic Park popularizou o recurso, que daí em diante passou a ser usado não mais para a criação de seres imaginados, como foi o caso de O Exterminador do Futuro 2 ou O Segredo do Abismo, mas também para criaturas reais ou criaturas imaginadas que mimetizavam o real. Além disso, o longa trazia ponderações interessantes sobre a ética na ciência, a relação do homem com os outros seres vivos e até mesmo sua relação com Deus. Enfim, Jurassic Park foi para a minha geração um marco, uma experiência colossal.
Assim, mesmo que a experiência de ver Jurassic World não possa ser comparada à sensação de assistir a Jurassic Park pela primeira vez em 1993, se você leitor vivenciou aquela época ou de alguma forma foi impactado pela obra original de Steven Spielberg, é impossível não sentir os pêlos do braço arrepiarem ao ouvir novamente a trilha tema do filme original composta por John Williams quando os garotos Zach e Gray adentram no parque (sim, aquele que na nossa infância ou adolescência era só um projeto de um “velho maluco”), agora chamado de Jurassic World. As portas do parque estão finalmente abertas. Isso não é maravilhoso?
Em Jurassic World – O Mundo dos Dinossauros o sonho de John Hammond torna-se realidade e na Ilha Nublar dinossauros são atrações para vários visitantes que circulam pelo complexo em busca de diversão. Zach e Gray vão para lá em busca não apenas de diversão, mas de momentos mais íntimos com sua tia Claire (Bryce Dallas Howard), atual responsável pela atração, que não vêem há anos. Tudo foge de controle de Claire quando uma espécie de dinossauro geneticamente modificada, o indominus rex, escapa do seu “cercado” e invade outras zonas do parque colocando em risco a vida de outras espécies de dinossauros, funcionários e visitantes. Para controlar o animal, a administradora da atração conta com a ajuda de um “adestrador” de velociraptors chamado Owen (Chris Pratt).
Jurassic World sabe que está à sombra do seu antecessor. Esta tentativa de revitalização da franquia após dois filmes pouco expressivos, Jurassic Park – O Mundo Perdido (1997) e Jurassic Park 3 (2001), dirigida por Colin Trevorrow (Sem Segurança Nenhuma), tem plena consciência de que paira sobre si todo um legado deixado por Steven Spielberg em Jurassic Park Esta noção é um dos grandes trunfos de Jurassic World, mas talvez um dos seus maiores tropeços também. É um aspecto positivo pois permitiu que a equipe de Trevorrow ficasse mais alerta e se esforçasse mais para criar novos elementos de interesse para o público e melhores ganchos na trama, estratégias que tirassem Jurassic World das repetitivas motivações dos filmes anteriores da franquia que sucederam Jurassic Park e que simplificaram suas motivações com o plot “humanos correndo de dinossauros”. Nesse sentido, a própria concretização do parque de John Hammond, assim como a tentativa de utilização de dinossauros como armas de guerra, a “domesticação” dos velociraptors e principalmente a concepção de uma espécie geneticamente modificada, o indominus rex, são ideias muito bem-vindas e atestam o esforço da “não repetição” por parte de Trevorrow e cia.
No entanto, Jurassic World acaba se apresentando à plateia como um longa excessivamente referencial, prestando sempre reverência ao filme de 1993 com a realização de sequências parecidas com a do filme de Spielberg (a entrada no parque, o ataque do indominus rex ao veículo das crianças, a sequência final envolvendo o confronto entre os dinossauros) e até mesmo a inserção de personagens que exercem funções parecidas com àquelas exercidas pelos protagonistas do primeiro filme da franquia. Por esta via, a ciência de que faz parte de um grande legado parece paralizar Jurassic World , fazendo com que o mesmo ímpeto que trouxe para o longa alguns dos elementos mais inventivos da série desde o filme de 1993 também seja responsável por travá-lo diante do seu antecessor, não permitindo que ele percorra caminhos mais ambiciosos do que ele potencialmente poderia seguir.
Esta tensão entre o potencial reinventivo da franquia que o filme apresenta e a excessiva reverência dele ao passado torna Jurassic World – O Mundo dos Dinossauros um exemplar bem mais interessante que as continuações de Jurassic Park, mas não isento de falhas. Trata-se de um filme que não consegue se desapegar do seu passado, ainda que apresente inúmeras vias temáticas que expandem o universo concebido por Steven Spielberg em 1993. A aposta ousada do longa original é substituída por um tímido potencial em Jurassic World. Talvez Jurassic World seja resultado da recepção nada positiva de O Mundo Perdido e Jurassic Park 3. O longa reinventa determinados elementos da série cinematográfica, mas prefere não arriscar tanto e aposta no seu potencial nostálgico, o que só evidencia que apenas Jurassic Park continua irretocável. Jurassic World ocupa um segundo lugar do podium.