Jackie é o que Grace de Monaco poderia ter sido não fosse a falta de traquejo do diretor Olivier Dahan ao tratar da vida de Grace Kelly, um olhar preciso, psicológico e sensorial sobre o que significa tornar-se uma “pessoa pública”, estar sob a constante vigília dos olhares de um país ou do mundo, transformar sua própria vida numa grande encenação, até mesmo num momento de aguda tragédia. Em Jackie, Jacqueline Kennedy volta e meia está ensaiando seus movimentos para a nação, seu semblante, fala, expressões corporais. Todo o sonho de Camelot (alusão a uma canção preferida de Kennedy que nos remete à história do Rei Arthur), a Casa Branca como o retrato dos sonhos, da beleza, dos modelos é uma construção assumida desde o princípio e perder tudo isso subitamente faz a protagonista entrar em colapso. Agora ela terá que conduzir a sua própria dor em público.
Assim, Pablo Larraín traça um percurso psicológico, hermético em alguns momentos, é verdade, mas que encontra na sua caótica narrativa um diálogo com o estado desorquestrado dos sentimentos da ex-primeira dama dos EUA logo após presenciar a violenta morte do marido John F. Kennedy após ter seu crânio atingido por uma bala durante um desfile ao céu aberto em Dallas, no Texas. Jackie presenciou não apenas a morte do esposo, mas um ato de extrema violência, um contraste com tudo aquilo para o qual foi conduzida até então. No lugar da linearidade e daquilo que é dito, Larraín opta pelos silêncios, pelas idas e vindas no tempo, momentos entrecortados, desordem total e pelos registros isolados do luto de Jackie Kennedy, alinhando o seu filme ao estado emocional e à jornada interna da sua própria protagonista. Não esperem narratividade ou pelo menos uma montagem tradicional. O longa, como antecipado, tem o modus operandi de um pensamento e de um estado emocional desestabilizado.
Ao interpretar Jacqueline Kennedy como uma mulher enredada em uma época pelo dever de viver um papel por toda a sua vida, modelo de mulher, esposa e mãe para toda uma nação, Natalie Portman entrega uma das melhores interpretações da sua carreira, sobretudo quando a personagem tem que viver em público uma das suas mais difíceis caracterizações, a de viúva e testemunha de uma violência, assimilando a morte do esposo enquanto segue um protocolo e presta deveres a população ao mesmo tempo em que vê os colegas do presidente falecido apressarem o quanto podem a sucessão na Casa Branca. A atriz é acompanhada por outros atores que também têm ótimos momentos como Greta Gerwig, que vive Nancy, a assistente de Jackie, Billy Crudup como o jornalista que registra o depoimento da protagonista, e Peter Sarsgaard, intérprete do cunhado Bobby Kennedy, mas o palco é todo de Portman.
Jackie é um filme difícil de ser assistido pela estrutura que, sabiamente, evita didatismos (portanto, quanto mais puderem saber sobre a história dos Kennedy, melhor), mas que é recompensador em muitas vias. Recompensador pela impecável interpretação de Natalie Portman, recuperando os trejeitos e a voz de Jackie (ainda que não seja fisicamente parecida com ela, acabou se tornando) e conduzindo exemplarmente suas complexas e nuançadas emoções, e também pelos esforços de Larraín que foge por completo daquilo que se espera do relato de uma grande personalidade no cinema, ou seja, uma biografia quadradona. A perspectiva do diretor consegue dimensionar emocionalmente sua personagem principal de maneira mais fiel do que muita biografia que ainda insiste em seguir uma burocrática cartilha de roteiro.
Assista ao trailer do filme: