Ilusões Perdidas é uma das obras mais conhecidas do escritor Honoré de Balzac. Como as demais na carreira do escritor, o romance procura expor as principais questões da sociedade francesa do século XIX em uma crítica mordaz às relações da época. O cineasta Xavier Giannoli adapta com êxito esse clássico da literatura e o resultado lhe valeu um ótimo desempenho na última edição do César, principal premiação do cinema francês. Ilusões Perdidas saiu com os prêmios de melhor filme e melhor roteiro adaptado, entre outras estatuetas, sete no total.
O longa acompanha a história de um jovem poeta do interior da França. O rapaz é levado por sua amante e mecenas para a capital a fim de construir relações que favoreçam sua carreira de escritor. Lá, no entanto, ele se transforma em um conhecido crítico de arte de um jornal opositor da monarquia. Ao assumir o ofício, o rapaz cede a todo um sistema corrupto de consagração das artes da época na qual os críticos eram pagos para falar bem ou mal de uma obra ou artista ou usavam do seu ofício para se vingar de alguns desafetos da nobreza.
Giannoli faz uma adaptação que se arrisca pouco, preferindo a literalidade da transposição da obra de Balzac para as telas. Na maior parte da projeção, Ilusões Perdidas segue a cartilha da competente reconstituição de época e da narrativa linear que evita intervenções mais drásticas do seu cineasta. Giannoli até opta pela narração como forma de trazer o escritor para o filme na forma do personagem de Xavier Dolan, suprindo a dificuldade que a tradução de eventos escritos eventualmente traz para o processo de adaptação cinematográfica. Mesmo com ares de um certo conservadorismo na adaptação, não podemos dizer que Ilusões Perdidas não é uma versão cinematográfica competente deste clássico da literatura. Pelo contrário, Giannoli traz toda a veemência e a sagacidade das observações pulsantes de Balzac para as telas.
O mérito da obra está na maneira como ela escancara para o espectador todo um sistema corrupto de consagração das artes na França do século XIX. Nela, a busca pelo êxito artístico é secundária. A cena em que o protagonista se vê encantado pelo romance escrito por um rival, mas cede a mesquinharias do espírito ao ser provocado por seu editor a destruir a reputação e a obra do escritor que acabara de ler, um sujeito que o humilhara no passado, por exemplo, é sintomática da principal crítica tecida em Ilusões Perdidas.
O comentário mais certeiro de Ilusões Perdidas é para a instituição de uma relação eticamente duvidosa da crítica com o seu objeto de fala, o sistema de poder que transforma o crítico em uma figura opressora, substituindo a apreciação das artes pela verborragia cínica e recalcada e pela mercantilização do juízo. Ilusões Perdidas fala da ausência de metodologia clara na crítica de arte, substituída por critérios variáveis escolhidos apenas depois do veredito, ou seja, o caminho inverso da apreciação: entende-se primeiro se quer celebrar ou destruir algo ou alguém para em seguida encontrar os argumentos. Esse jogo extremamente brutal no sistema de consagração artística é instituído pela mercantilização excessiva das coisas nos grandes centros. Praticamente tudo tem um preço para os personagens de Ilusões Perdidas: o elogio, a saúde, o direito a uma morte digna, o amor…
Balzac tece todo seu comentário mordaz a partir da interessante jornada que traça para o seu protagonista, Lucien Chardon, defendido aqui com muita competência por Benjamin Voisin (já ótimo em Verão de 85 de François Ozon). Voisin dá corpo a um personagem que sai de um excessivo romantismo para adotar gradualmente um recalque auto-destrutivo e, no último momento, escancarar seu desejo mais íntimo, pertencer a um estilo de vida que lhe é negado desde o princípio por sua origem, emulando o comportamento deplorável das elites que tanto denunciou ao longo da obra. O ator consegue fazer variações sutis nas fases do personagem sem perder os traços basilares da personalidade de Lucien. Ao mesmo tempo, Voisin conta com um elenco coadjuvante bastante competente, como Cécile de France, que interpreta a melancólica amante do protagonista, Xavier Dolan, como um poeta que desenvolve uma relação dúbia com ele, e Vincent Lacoste, afiadíssimo como o editor cínico e anárquico Etienne Louteau.
preservação daquilo que já é irretocável na obra original que torna o longa imperdível. É impressionante como uma obra do século XIX consiga ser tão atual em suas observações sobre temas como a crítica de arte, a relação das elites com a indústria do entretenimento e seus esquemas de consagração pela imprensa. Permanece atual como se Balzac tivesse escrito tudo ontem a noite ou horas atrás. A mercantilização dos gostos segue em alta nos nossos tempos, basta olharmos toda a indústria de recomendações mobilizadas pelos espaços publicitários nos perfis dos influencers, por exemplo.
A adaptação de Giannoli para o texto de Balzac é, acima de tudo, uma história sobre o desencanto com a ideia que permeia nossa juventude a respeito da consagração artística. Uma vez que o ingênuo Lucien é jogado na selva dos salões parisienses onde jornalistas e a elite francesa leiloam aplausos e vaias e usam as artes como subterfúgio para a manutenção ou aquisição dos seus respectivos status sociais, a ideia sacralizada do êxito artístico como recompensa para o talento nato parece não fazer sentido e, como lembra a própria citação de Balzac incorporada ao filme antes dos seus créditos finais, urge encontrar algum sentido ou produtividade depois do próprio desencanto com as nossas idealizações.
Direção: Xavier Giannoli
Elenco: Benjamin Voisin, Cécile de France, Vincent Lacoste
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