O subtítulo “De Volta ao Lar” de Homem-Aranha: De Volta ao Lar tem um significado específico na trajetória do personagem-título nos cinemas. Após um acordo com a Sony, detentora dos direitos de adaptação do herói para as telonas desde o primeiro filme dirigido por Sam Raimi e estrelado por Tobey Maguire nas telonas em 2002, a Marvel Studios traz para o seu panteão de personagens do projeto Vingadores uma de suas mais icônicas propriedades. Nesse sentido, o Homem-Aranha que verá nas telonas é bem diferente daquele dos anos 2000, ele faz parte de todo um projeto de narrativa seriada cinematográfica calcado em marcas específicas. Os tempos são outros e, queira ou não queira, é imperativo para essa gigante do cinema inseri-lo em seu universo cinematográfico repleto de conexões entre seus diversos núcleos de personagem.
Esse Homem-Aranha de 2017 tem Tony Stark, o Homem de Ferro, como seu mentor e ídolo, gravitando em um mundo fortemente marcado pelo impacto cultural produzido pelos Vingadores, a ponto do Capitão América ser mostrado reiteradamente no colégio de Peter Parker em um vídeo institucional-educativo. Assim, olhando Homem-Aranha: De Volta ao Lar por esses termos, o filme cumpre ao que veio, mostrando-se como mais uma ramificação coerente desse universo cinematográfico ao mesmo tempo em que procura estabelecer a personalidade desse novo Peter Parker nesse contexto. No entanto, por atender ao modelo narrativo da empresa Marvel Studios, bem-sucedido nas bilheterias e aceito pela crítica, o longa acaba sacrificando ocasionalmente momentos de genuína emoção que conectam o espectador ao protagonista, que, por sinal, eram feitos de maneira magistral por Sam Raimi em Homem-Aranha e Homem-Aranha 2. Portanto, visto como subproduto Vingadores, Homem-Aranha: De Volta ao Lar cumpre sua função sem comprometer as marcas de um modelo de cinema que parece agradar ao espectador com a produção de uma narrativa leve, marcada pelo humor e que atenua qualquer gravidade no destino dos seus personagens com suas piadas autorreferenciais, porém, em um quadro comparativo, De Volta ao Lar não tem o impacto histórico e emocional das produções protagonizadas pelo personagem no início dos anos 2000. Falta um pouquinho de coração, ainda que se anuncie esse filme como o exemplar mais genuíno e fiel ao personagem das HQs que verá.
Homem-Aranha: De Volta ao Lar é ambientado após os eventos de Capitão América: Guerra Civil. No filme, Peter Parker aguarda um retorno de Happy, fiel funcionário das empresas Stark, para uma próxima missão, caso o Homem de Ferro necessite dos seus serviços. Diante de meses de silêncio, Parker resolve sair por Nova York por conta própria como o Homem-Aranha e acaba descobrindo uma gangue liderada pelo Abutre que há tempos especializou-se em caçar armamentos e equipamentos deixados por aí pelos Vingadores e seus inimigos para vendê-los em um mercado paralelo. Assumindo a vida dupla como Peter Parker, lidando com os problemas mundanos de um adolescente no colegial, e como Homem-Aranha, enfrentando o Abutre e sua gangue, o personagem, ao longo do filme percorre uma trajetória na qual tem que aprender a lidar com suas limitações, escolhas e a responsabilidade que passa a assumir no momento em que veste o uniforme do herói.
Homem-Aranha: De Volta ao Lar certamente fará sucesso com o público e com quem já costuma dar certificado de aprovação aos filmes da Marvel. Está longe de apresentar um resultado ruim como Homem de Ferro 3 ou morno como Thor e Thor: O Mundo Sombrio, se igualando a resultados corretos como Vingadores e Homem de Ferro, mas não acima da média como Capitão América: Soldado Invernal. Não tem uma vírgula no roteiro desse filme que já não tenha sido testada com êxito em tantos outros exemplares da Marvel de grande aceitação pelo seu público. Homem-Aranha: De Volta ao Lar ainda tem o mérito de ter um vilão bem construído em suas motivações, o Abutre vivido por Michael Keaton, algo que a Marvel sempre foi acusada de não conseguir desenvolver satisfatoriamente à exceção de Loki, mas isso nem chega a ser difícil já que a galeria de vilões do Homem-Aranha sempre foi conhecida como uma das melhores da empresa.
Os melhores momentos de Homem-Aranha: De Volta ao Lar, no entanto, não são àqueles em que ele adere irrestritamente à fórmula Marvel, ou seja, não estão nos insights cômicos que se apropriaram das referências à cultura adolescente ( trilha sonora pop, uso de filmagens “caseiras”, referências a Star Wars) ou ao próprio universo das adaptações em quadrinhos para o cinema (há um momento em que claramente é feita uma menção ao Batman de Christopher Nolan), mas quando o longa investe seu tempo no amadurecimento emocional e nos conflitos psicológicos do seu protagonista, um adolescente imaturo, de bom coração e cheio de inseguranças, algo que, por sinal, nos faz lembrar das razões que fizeram Homem-Aranha e Homem-Aranha 2 se conectarem com tantas pessoas por tanto tempo, Sam Raimi conseguia conduzir tais momentos como nenhum outro realizador. Uma cena específica do longa é, possivelmente, uma das mais fortes em termos de investimento emocional da Marvel Studios e infelizmente não se repete por mais vezes no filme: Peter é soterrado por destroços e demonstra vulnerabilidade e medo por não conseguir se desvencilhar de uma situação que coloca em risco sua própria vida. Talvez De Volta ao Lar precisasse de mais momentos como esse para ser “aquele” filme da Marvel que fugisse de um esquema criativo tão burocrático como o que exibe em tantos outros exemplares a cada ano.
Agradando aos fãs do filme do estúdio com a oferta de um modelo de narrativa que dosa humor com fan service, Homem-Aranha: De Volta ao Lar usa esta fórmula consagrada à serviço de um personagem que parece se adequar a tais moldes. Ainda que os momentos de genuína humanidade e emoção da história se percam em meio à urgência de se produzir doses cavalares de comicidade, algo que demonstra um certo desgaste nas produções desse nicho, Homem-Aranha: De Volta ao Lar é um longa de entretenimento coerente e bem feito. É impossível não sair com uma mínima dose de satisfação ao final da sessão, especialmente os fãs do personagem que amargaram filmes tão decepcionantes quanto os reboots O Espetacular Homem-Aranha, com Andrew Garfield como o personagem-título. Como fã do personagem somente em sua encarnação nos cinemas (as HQs do herói nunca fizeram parte da minha vida), Homem-Aranha e Homem-Aranha 2 de Sam Raimi ainda têm lugar cativo justamente pelo investimento emocional que faziam na trajetória e conflitos desse personagem, algo que, infelizmente, parece ser dissolvido nesse cinema de super-heróis que se faz hoje em dia. Mas, como sublinhei linhas atrás, para o bem e para o mal, são outros tempos.
Obs.: Há duas cenas pós-créditos ao final do filme. Portanto, só saia da sala quando o filme realmente tiver terminado (e a segunda cena pós-créditos vale muito a pena).
Assista ao trailer do filme: