Entre o final dos anos 1990 e início dos anos 2000, o cineasta Guy Ritchie seria a pessoa ideal para dirigir um filme como Guerra sem Regras. Notabilizado por filmes de ação arrojados, marcados sobretudo por uma narrativa frenética como Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes (1998) e Snatch: Porcos e Diamantes (2000), o realizador seria o profissional dos sonhos para assinar um filme sobre um grupo de oficiais em missão extra-oficial pelo primeiro-ministro Winston Churchill para “colocar o terror” em grupos nazistas.
Em 2024, Ritchie não parece ser mais aquele cineasta cheio de energia e frescor dos seus primeiros anos. Inserido na lógica industrial de Hollywood, Ritchie acabou neutralizando seu estilo em prol de uma versão mais “gourmetizada” do seu cinema. O cineasta até conduz filmes de relativo sucesso com o público e com a crítica como é o caso de Sherlock Holmes e dos recentes O Pacto com Jake Gyllenhaal e Magnatas do Crime, que rendeu até uma série spinoff na Netflix, mas são obras sem personalidade marcante. Alguns desses filmes até aparentam ter alguma assinatura, mas replicam algo que no início dos anos 2000 poderia até ser encarado como singular, mas que hoje já é estabelecido como uma forma de contar histórias no cinema.
Guerra sem Regras é mais um desses filmes genéricos do Guy Ritchie. Apelidado informalmente como o Bastardos Inglórios britânico, o longa do diretor é baseado na história do capitão Gus March-Phillipps, que durante a Segunda Guerra Mundial reuniu um grupo altamente preparado a fim de minar as ações dos nazistas na Europa. O elenco da produção tem nomes que são chamariz para a geração dos streamings, como é o caso do seu protagonista Henry Cavill, detentor de uma fanbase muito forte que até hoje lamenta sua saída da série The Witcher (isso para não falar do seu imbróglio com a DC em virtude do Superman), e Alan Ritchson, astro da série Reacher, indo já para sua terceira temporada no Amazon Prime Video.
Nada é determinante para salvar Guerra sem Regras da sensação de que ele deriva de um monte de referências e no fundo não diz muito a que veio. Ritchie tenta fazer do filme um longa de ação e espionagem “moderninho”, mas que no fundo parece uma imitação de tudo o que já foi feito, só que aqui tudo é replicado com um pouco menos de viço. Não tem ritmo, apesar de aparentar ter; não tem humor, apesar de acreditar que é engraçado. É um longa que engana a si mesmo o tempo todo.
Um dos problemas centrais da produção é requerer do seu elenco um humor que ele não está preparado para imprimir na tela. Guerra sem Regras exige de Henry Cavill algo que ele já demonstrou nas mãos do próprio Ritchie em O Agente da U.N.C.L.E. que não está pronto para entregar: comédia, ou mesmo, uma abordagem mais leve e auto-referencial para sua ação. Cavill não consegue sustentar a ironia britânica que parece peculiar ao Gus March-Phillipps. Ainda é difícil para o ator se desvencilhar da persona polida de lorde inglês saído de uma série qualquer da BBC. Nada contra o ator, mas, mais uma vez, ele é vítima do erro de escalação de Guy Ritchie. Sobre os demais, talvez a atriz Eiza Gonzalez, que interpreta a atriz e espiã Marjorie Stewart, tenha tanto destaque em cena quanto Cavill. Ainda assim, a atriz não consegue oferecer maiores camadas para sua personagem, sustentando sua participação em belos looks, ótimos close-ups e uma apresentação musical que emula a era de ouro do cinema.
É uma pena que um cineasta tão promissor quanto Guy Ritchie não tenha conseguido se reinventar na maturidade, tendo se acomodado na fama de visionário dos primeiros anos da sua carreira. Guerra sem Regras não consegue nem mesmo ser correto como O Pacto, ele é apenas tardio, inseguro sobre a sua personalidade e marcado por um elenco que não acompanha as intenções do seu cineasta.
Direção: Guy Ritchie
Elenco: Henry Cavill, Alan Ritchson, Alex Pettyfer
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