Os acontecimentos de Foxcatcher – Uma História que chocou o Mundo têm como força condutora a insegurança do seu protagonista, o lutador Mark Schultz (Channing Tatum). O fio condutor desse filme sombrio de Bennett Miller é a carência desse personagem, suprida em níveis diferentes pelo seu irmão mais velho David Schultz (Mark Ruffalo) e pelo seu pretenso treinador, o milionário John du Pont (Steve Carell). Bennett Miller constroi toda a atmosfera necessária para fazer de Foxcatcher um filme denso psicologicamente, além de intrincado e coerente como narrativa. As sensações criadas no espectador são fluidas, nada é antecipado, os personagens e suas relações são críveis e a condução é ritmada. Enfim, o melhor trabalho da carreira do diretor de Capote e O Homem que mudou o Jogo, até então.
Foxcatcher tem início quando o jovem lutador de luta greco-romana Mark Schultz recebe um convite do milionário John du Pont. Ele deseja patrocinar o treino e a ida do atleta para as Olimpíadas de Seul em 1988. Schultz passa a morar na casa de du Pont e começa a criar uma certa veneração pela filosofia de sucesso do seu patrocinador e técnico de fachada. Em determinado momento da trama, du Pont começa a fazer pouco caso de Mark e decide trazer para a equipe o irmão do rapaz, David Schultz. A presença de David perturba a relação entre du Pont e Mark, fazendo com que tudo saia de controle.
Tudo em Foxcatcher sugere que Mark e John du Pont, de certa maneira, se complementam. Ambos são governados pelo sentimento de inferioridade, pela necessidade de corresponder e superar às próprias expectativas ou àquelas que pensam que terceiros tenham sobre eles. Isso os torna figuras destrutivas, uma característica potencializada pelo encontro dos dois na trama. Isso faz com que Miller e seu diretor de fotografia Greg Fraser optem por tonalidades mais acinzentadas, que os cortes sejam mínimos e que os movimentos de câmera sejam mais lentos, contrastando com a inquietação psíquica e física de Mark e com o silêncio imprevisível de John du Pont, tudo é muito perturbador de ser acompanhado por tanto tempo. Em contrapartida, a presença de David Schultz (Ruffalo) é um alento afetivo para a história, ironicamente, o personagem que acaba saindo lesado de toda a relação doentia entre Mark e John.
Na pele de John du Pont, Steve Carell provoca no espectador um misto de asco e pena. Carell compõe um tipo absolutamente imprevisível, uma bomba relógio ambulante, a partir de um olhar lânguido, pouquíssimos gestos, todos acompanhados com bastante atenção pela câmera de Miller. Já Channing Tatum tem aqui o melhor desempenho da sua carreira, sua interpretação é repleta de nuances e consegue equilibrar a sensibilidade, imaturidade e agressividade de Mark Schultz. Mark Ruffalo completa o elenco como o personagem mais admirável dos três, um sujeito comum e afetuoso, pai de família, irmão dedicado, profissional exemplar, enfim, tudo o que du Pont e Mark mais almejaram ser na vida. David é uma espécie de fantasma dos protagonistas.
Representando a maturidade da carreira de Bennett Miller, Foxcatcher é um filme de personagens e relações complicadas, algumas delas sombrias demais para quem não deseja ou tem medo de adentrar no que existe de pior nos recôncavos da nossa complicada psique. O filme é sólido dramaticamente, coerente como narrativa, utiliza ao máximo todos os recursos cinematográficos à sua disposição, oferecendo uma trama sobre ambição, relações familiares e homens complicados, ou seja, se inspira no que de melhor a cinematografia norte-americana já fez.No final das contas, Foxcatcher trata como tantos outros grandes filmes norte-americanos de um traço peculiar e doentio da cultura dos EUA, a obsessão pelo sucesso e pela figura do sujeito bem-sucedido, uma categoria que não necessariamente está associada à acumulação financeira, mas com o reconhecimento de uma trajetória por terceiros, sua publicização e a construção de um mito. No caso, o longa deixa bem claro que há dois caminhos, cada um deles optados por um dos personagens em questão: a completa escuridão ou a libertação desse ideal de felicidade e reconhecimento pleno, uma doença contemporânea.