Está Tudo Bem Comigo?

Crítica: Está Tudo Bem Comigo?

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“Sair do armário” não é um processo fácil para qualquer LGBT+. Na adolescência, pode ser uma jornada solitária e dolorosa, hostil se o ambiente externo não contribui para a autoaceitação. Na vida adulta, então, parece que esses problemas se multiplicam e tudo é ainda mais desafiador. Ao mesmo tempo que você se sente velho demais, envergonhado e culpado pela suposta falta de “timing” da sua jornada na comparação com a dos outros, sentindo-se ocupando lugares tardiamente, você também se entende como alguém “deslocado” entre os seus e se questionando sobre como deverá se portar de agora em diante, quais são as suas expectativas e a dos outros. Há o vigor da juventude e a sensação de estar pronto para explorar sua sexualidade, mas também um medo muito grande de tudo que virá a partir daí. É nesse estágio da vida que encontramos Lucy, personagem de Dakota Johnson na comédia romântica Está Tudo Bem Comigo?.

Está Tudo Bem Comigo? conta a história de Lucy (Dakota Johnson), uma design que trabalha em um spa e está em crise com os relacionamentos que vem estabelecendo com homens até então. É nesse momento que ela revela para a melhor amiga Jane (Sonoya Mizuno) que tem dúvidas sobre sua orientação sexual. Ao mesmo tempo, Jane está prestes a se mudar para Londres depois de receber uma promoção no trabalho, algo que deixa Lucy ainda mais insegura sobre uma jornada que, antes disso, já parecia desafiadora o suficiente. Como irá passar por tudo isso sem Jane ao seu lado?

O filme de Tig Notaro e Stephanie Allynne é na essência uma comédia romântica, com toda a leveza inerente ao gênero, explorando aquele “american way of life” de jovens adultos estadunidenses. Acontece que, no meio dessas convenções, o roteiro de Lauren Pomerantz explora muito bem a temática LGBT+ através da jornada de Dakota Johnson. Além da personagem ser muito bem defendida pela atriz, que consegue dimensionar com sensibilidade todas as inseguranças de Lucy em seu processo de descoberta de si, o texto de Pomerantz cumpre muito bem a função de explorar a experiência singular dessa protagonista, poucas vezes abordada nas telas – normalmente essas histórias são sempre contadas pelo ponto de vista de personagens adolescentes.

É uma pena que o mesmo roteiro que seja responsável pelo tratamento exemplar da personagem de Johnson se complique no desenvolvimento da relação desta protagonista com sua melhor amiga Jane, interpretada por Sonoya Mizuno. Logo, Está Tudo Bem Comigo? deixa de ser um filme sobre “saídas de armário” para ser um longa sobre a força da amizade dessas suas personagens, colocando uma sombra sobre aquilo que a comédia romântica tinha de mais original.

Em dado momento, existe até uma dubiedade sobre a personagem de Mizuno (e confesso que até o encerramento dessa crítica, essa dúvida paira na cabeça deste que vos escreve). Em dada passagem da história, depois de uma experiência mal sucedida de Lucy em um bar lésbico, Jane entra em crise com a própria amiga: seria Está Tudo Bem Comigo? uma história de amor entre amigas que se descobrem apaixonadas uma pela outra? Logo, toda a inquietação de Jane (Mizuno) é atribuída à sensação de que os dilemas de Lucy estavam ocupando um espaço muito grande enquanto ela própria vivia um momento crucial em sua vida. Nesse “desvio de rota”, Está Tudo Bem Comigo? perde pontos com o espectador e parece dois filmes em um só.

No papel que cumpre de representar uma jornada LGBT+ poucas vezes explorada em mídias audiovisuais, Está Tudo Bem Comigo? tem qualidades inegáveis. Mesmo na leveza típica de uma comédia romântica, tem um enfrentamento complexo para a trajetória da sua protagonista. Por outro lado, é um filme que apresenta uma lacuna ruidosa no seu terceiro ato, sabotando parte do seu exitoso esforço inicial.  Nesse desequilíbrio, o filme prejudica a experiência do espectador que ficou bastante intrigado com a ótima abordagem inicial das cineastas.

Direção: Tig Notaro, Stephanie Allynne

Elenco: Dakota Johnson, Sonoya Mizuno, Jermaine Fowler

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