El Camino - A Breaking Bad Movie

Crítica: El Camino – A Breaking Bad Movie

Há pouco mais de seis anos, Breaking Bad se encerrava. Atualmente, parece ser uma unanimidade colocá-lá entre as maiores obras dramáticas da televisão. O que não falta são motivos para justificar sua primazia: um complexo anti-herói como protagonista; uma meticulosidade quase cinematográfica em sua produção; diversos momentos que ficam na memória — aqui vai uma rápida lista: a explosão no escritório de Tuco; a banheira caindo do teto; o avião explodindo; a bomba na cadeira de rodas; o tiroteio no deserto; a pizza no teto; os gêmeos mudos; Los Pollos Hermanos etc — e claro, a química (sem trocadilhos) entre Walter e Jesse, além dos diversos personagens secundários marcantes: Mike, Saul, Gus, Hank e Skyler.

Durante as 5 temporadas do seriado, a trajetória de Jesse Pinkman (Aaron Paul, Um Espião e Meio) foi marcada pelo sofrimento. Não só perdeu duas namoradas, como foi feito de escravo por mais de um ano nas mãos de neonazistas, que queriam utilizar sua habilidade de produzir metanfetamina. Após o sacrifício de Walter White (Bryan Cranston, Godzilla), Pinkman finalmente volta a ser um homem livre, com o seriado se encerrando enquanto ele dirige um carro sem rumo e tem uma explosão catártica de riso e choro. A grande pergunta que El Camino – A Breaking Bad Movie volta para responder é: será que o carismático protagonista realmente é um homem livre? Ou, ainda que liberto da prisão material, não consegue escapar das armadilhas de seus próprios pensamentos?

El Camino – A Breaking Bad Movie começa diretamente após os acontecimentos de Breaking Bad, com Jesse no volante. Sendo ajudado pelos cômicos Badger (Matt L. Jones, Brightburn) e Skinny Pete (Charles Baker, Demônio de Neon), o ex-prisoneiro luta para se recuperar mentalmente dos traumas sofridos durante o cárcere privado, ao mesmo tempo que a polícia fecha o cerco e a necessidade de criar um plano para fugir.

El Camino - A Breaking Bad Movie

Na rápida retrospectiva disponibilizada pela Netflix antes do longa, duas falas de Walter se sobressaem: “tudo que você faz é parte de você” e “você precisa parar de se preocupar com a escuridão atrás de você. O passado é o passado”. Assim, é justamente este conflito de ideias contraditórias que acompanhará a continuação de sua jornada. Até por isso, a narrativa de El Camino – A Breaking Bad Movie pode ser vista como um grande purgatório para Jesse, que precisa expurgar o passado para seguir em frente.

Neste sentido, o roteiro de Gilligan é marcado por diversas digressões que interrompem a trama principal para trazer flashbacks e, consequentemente, a volta de antigos personagens. Essas sequências possuem três funções. Primeiramente, é claro que Vince não perderia a oportunidade de fazer fan-service para agradar o público. Segundo, em uma enorme facilitação narrativa, através de relações de causa-consequência, cenas inéditas do passado surgem como Deus Ex Machina para avançar a história. Por exemplo, é muito conveniente que Jesse precise de um abrigo no presente e surja um corte para o passado, onde Todd (Jesse Plemons, Vice) tenha apresentado seu apartamento para ele.

Em terceiro, toda a construção desses flashbacks com personagens clássicos remete a um saudosismo do material original praticamente platônico. Em dois deles, a mensagem de Gilligan não poderia ser mais clara, já que abrem e encerram o filme. No primeiro, Jesse conversa na beira de um rio em constante movimento; no último, bate papo enquanto dirige por uma estrada interminável. Ambas as localizações remetem a ideia de fluxo, pois essa é a principal lição para o personagem: a de seguir em frente. Inclusive, o nome da obra reforça a tese. Mais do que o tipo de carro que dirige, mas um endosso na noção de trilhar o próprio caminho. Ainda dentro deste universo onírico, há um encontro em especial que emocionará os fãs, sem jamais soar gratuito. É somente depois dele que Jesse encontra sua paz interior, funcionando como o último acerto de contas e um adeus ao passado.

Por toda essa abordagem, o grande mérito de Vince Gilligan é a criação desses momentos que, apesar de claramente definidos no tempo pretérito, abrem essa interpretação para uma atemporalidade ultra dimensional, algo parecido com o que Lost fez em sua última temporada. De mesmo modo, o diretor demonstra uma enorme inventividade na decupagem de suas cenas, sempre criativo ao captá-las por variados ângulos que esclarecem a noção especial, como naquela do comboio de carros policiais passando. Semelhantemente, Gilligan trabalha bem com a antecipação da ação, segurando ao máximo a tensão dessas sequências, sempre deixando o agir para o último momento, tanto quando Pinkman se esconde atrás da porta, como no confronto de faroeste.

El Camino - A Breaking Bad Movie

E nada mais propício do que o clímax de El Camino ser resolvido por meio de um duelo. Afinal, o papel assumido por Jesse é como o de um cowboy. Solitário, ele vaga de estrada em estrada, tendo em sua companhia apenas sua pistola e seu “cavalo” (carro). Em consonância, seu objetivo não deixa de ser uma espécie de bucolismo clássico do forasteiro, de explorar e vagar pela terra. Só assim ele irá se encontrar.

Ainda que o roteiro não dê nenhum grande momento para Aaron Paul explodir como em episódios de Breaking Bad, há aqui uma constante em seu trabalho. O ator incorpora uma marca muito forte dos tempos de aprisionamento, resultando não só em cicatrizes, como também em melancolia, desespero e desconfiança. Com uma rápida ponta, o veterano Robert Forster (Tudo o que Tivemos) interpreta um calmo Ed, que mesmo sem elevar o tom de voz, demonstra força em uma negociação com Jesse. De resto, para não estragar surpresas, basta dizer que todos que reprisam seus papéis possuem o mesmo nível de qualidade que apresentaram na série.

Ao fim de El Camino – Breaking Bad Movie, pode surgir a pergunta: sua existência se justifica? Apesar do final de Pinkman ficar aberto em Breaking Bad, a incerteza de seu destino sempre pareceu interessante, justamente pelo simbolismo de sua última aparição. Com a morte de Walter, ele finalmente teria o livre-arbítrio para definir seu destino, não importa qual seja. De certa forma, é possível dizer que a extensão do universo de Gilligan ainda respeite essa dubiedade, mas dá uma volta antes de voltar à essa lógica, para expurgar de vez os fantasmas de Jesse. E claro, aproveitado a oportunidade para mexer com o emocional de seu fiel público.

Direção: Vince Gilligan
Elenco: Aaron Paul, Charles Baker, Matt Jones, Robert Forster

Assista ao trailer!

Você pode conferir El Camino – A Breaking Bad Movie diretamente na Netflix!