Desde que surgiu como um dos “braços” da Disney com o lançamento de Toy Story em 1995, a Pixar sempre se apresentou ao público como uma companhia que antes de produzir desenhos animados estava interessada em contar histórias e a animação era meramente um formato. John Lasseter e cia. colecionaram verdadeiras obras-primas animadas em terceira dimensão como a própria trilogia Toy Story, Procurando Nemo, Monstros S.A., Os Incríveis, Ratatouille, Wall-E, Up – Altas Aventuras. É verdade que, nos últimos anos, o estúdio ficou um pouco desacreditado com a recepção modesta de Valente e seguiu o destino comum das grandes empresas de cinema, preferindo investir no retorno financeiro seguro de continuações pouco expressivas de seu legado, como Carros 2 e Universidade Monstros, mas nada que maculasse sua tradição. A criatividade continuava gerando frutos nos escritórios do estúdio com Divertida Mente, filme que inaugura uma nova fase de obras originais do estúdio.
De uma forma geral, os filmes da Pixar sempre deram prioridade à emoção, até mesmo quando traziam como personagens como brinquedos ou robôs. Quem não se emocionou com a cena final de Toy Story 3, na qual Andy doa toda a sua coleção de brinquedos para uma garotinha? Como não se comover com a sequência que mostra a relação de Carl Fredricksen e sua esposa ao som da trilha de Michael Giacchino em Up – Altas Aventuras ? Confessa também que o romance entre os robôs Wall-E e Eva fez descer (ou quase fez descer) uma lágrima dos seus olhos em Wall-E? Pois é, estas mesmas mentes que conseguem preencher de amor tudo aquilo que tocam fizeram um filme sobre as emoções de uma pré-adolescente e o resultado não poderia ser menos do que sublime.
Divertida Mente conta a história da garota Riley e das emoções que habitam o seu corpo. Administrado pelo sentimento da Alegria, o interior de Riley nos é apresentado como um universo complexo e rico em memórias e afetividade. Tudo começa a sofrer uma drástica transformação quando Riley chega na adolescência e ela tem que se mudar com os seus pais para São Francisco. As emoções da menina entram em parafuso e quando, por um acidente de percurso, os sentimentos da Alegria e da Tristeza saem da sala de comando das emoções de Riley, todas as suas ações passam a ser decididas pela Raiva, pelo Medo e pelo Nojinho. Para fazer a vida de Riley voltar ao prumo, Alegria e Tristeza terão que empreender uma longa jornada de volta ao comando das ações da garota.
Mais uma vez a Pixar realiza um trabalho primoroso ao fazer o improvável: apresentar as emoções como personagens complexos e transformar a mente de uma adolescente em um universo com gramática própria, porém traduzindo seus elementos com muita inteligência e criatividade através de associações brilhantes com o mundo humano. A transformação da esfera dos sonhos em um típico estúdio de Hollywood, por exemplo, é apenas uma das sacadas geniais do filme. Divertida Mente é um longa mais inteligente do que aparenta ser, o que já é um indício de sofisticação e uma surra em quem pensa que para fazer um cinema vibrante basta desejar se fazer incompreensível pela sua plateia. Toda a jornada empreendida pela Alegria e pela Tristeza apresenta-se como uma grande aventura, nos moldes de um cinema de gênero, no entanto, quer dizer muito mais do que a superfície revela. O filme mostra uma garota tentando organizar os seus sentimentos, sendo necessário para tanto o conflito, a reestruturação do seu quadro de referências e das suas memórias.
Semelhante a Toy Story, Divertida Mente é um filme sobre o rito de passagem e sobre a importância de não negligenciarmos nossas emoções, incluindo, entre elas, a Tristeza, tão negada, sufocada e mal vista por uma ilusória necessidade de governança da Alegria ou felicidade constante em nossas vidas. O desfecho deste perspicaz e tocante filme Pixar sugere que não importa o tipo de sentimento que nos guie nos momentos cruciais das nossas vidas, temos que manifestá-los, por mais contraditório que sejam. O controle e a censura das emoções como forma de instaurar a ordem e um pensamento mais reflexivo e ponderado sobre a vida é uma ilusão, muitas vezes é deixar-se levar pelas emoções é necessário e redentor.