As Bestas

Crítica: As Bestas

3.5

Em As Bestas, Rodrigo Sorogoyen (de Madre e O Candidato) faz um cinema que o público em geral pode não associar à Espanha, uma cinematografia normalmente atrelada às marcas almodovarianas. As Bestas nos leva ao interior da Galícia onde um casal francês interpretado por Denis Ménochet e Marina Foïs enfrenta a hostilidade de moradores locais quando se mudam para a região em busca de qualidade de vida. O casal se dedica à plantação de vegetais e à recuperação de casas locais e vê seu dia-a-dia sabotado pelos vizinhos quando recusam votar a favor da exploração de energia eólica na localidade, contrariando o interesse do restante da população. Há um evidente conflito de interesses na relação entre o casal e seus vizinhos espanhóis, que enxergam no voto favorável à empreitada uma oportunidade para sair daquele lugar e mudar de vida.

Sorogoyen faz um western contemporâneo brutal ambientado numa região que parece imune às normas institucionais. As Bestas ainda ensaia ou procura contextualizar sua trama com discussões sobre a relação entre locais e estrangeiros na Europa, mas o ponto forte do longa de Sorogoyen, assumido pelo próprio roteiro da história em um diálogo crucial entre o personagem de Ménochet e o agricultor hostil vivido por Luis Zahera é mesmo sua inclinação para o “filme de gênero”, em especial, o western, e a evidente revisão que promove a partir do arco de uma personagem feminina central vivida por Marina Foïs. Há um esforço vocal do filme de discutir a presença do feminino em contextos marcados pela violência, sobretudo quando as mulheres, personificadas pela personagem de Foïs, tomam às rédeas da situação em um esforço de pôr fim a toda aquela lógica “olho por olho, dente por dente” imposta pelos homens da história. Isso é pontual e brilhantemente colocado pelo roteiro da história a partir de um singelo diálogo entre a personagem de Foïs e a matriarca local interpretada por Luisa Merelas.

As Bestas aplica uma tensão crescente nos atritos entre os personagens, colocando sobretudo o protagonista francês em iminente zona de risco. O diretor consegue construir com muita habilidade uma atmosfera de tensão e imprevisibilidade, jamais pendendo para soluções óbvias que poderiam ser antecipadas pelo público, sobretudo porque em determinado momento do roteiro, a partir de um evento-chave para a história, o protagonismo da trama muda seu vetor.

As Bestas

Além de ser marcado por uma direção no domínio dos seus recursos narrativos, As Bestas conta com um elenco formado por atores formidáveis que estão muito bem em cena. Ménochet interpreta um sujeito cuja teimosia, obstinação e coragem o direciona para um destino cada vez mais incerto na trama. O filme também conta com uma ótima performance de Marina Foïs, que assume um papel fundamental na história como companheira desse personagem, em dada circunstância deixando de ser uma figura à margem da história para assumir um protagonismo com muita força. Luiz Zahera também tem seus momentos na trama como um dos vizinhos do protagonista, o sujeito que assume a liderança em sua oposição à presença do casal de franceses naquela região.

As Bestas teve uma carreira interessante em 2022, quando lançado comercialmente na Europa. O filme integrou a seleção oficial do Festival de Cannes daquele ano e teve destaque no Goya, premiação máxima da Espanha, vencendo 9 prêmios, melhor filme, direção, ator (Ménochet), ator coadjuvante (Zahera), roteiro original, trilha sonora, fotografia, edição e som. Além disso, o longa ganhou o prêmio de melhor longa internacional no César, premiação do cinema francês,

As Bestas é um filme brutal, que tematiza a barbárie de maneira incomum por não ser dominado pela violência gráfica em suas cenas. O mundo brutal é representado pelo longa através da eficiente construção da sensação de ameaça que surge como uma constante em sua história, mérito de uma direção extremamente habilidosa que se apropria muito bem do material que tem em mãos e das marcas do seu gênero, sendo ainda capaz de ter um olhar extremamente atual para essa apropriação a partir da excelente revisão que promove em suas marcas.

Direção: Rodrigo Sorogoyen

Elenco: Denis Ménochet, Federico Pérez Rey, Marina Foïs

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