Em seu novo filme, a diretora Molly O’Brien (The Wild Things) reúne uma equipe de cinema para homenagear e contar a história da pessoa que ela mais admira no mundo: a sua tia. Mas, não se engane, esse não é um “filme de churrasco” tradicional. A tia de Molly é ninguém menos que Orin O’Brien, uma das maiores contrabaixistas do mundo. Membro da filarmônica de Nova Iorque, Orin foi, por muito tempo “A Única Mulher da Orquestra” – daí o título do filme.
Para realizar tal intento, Molly convoca um formato tradicional de documentários estadunidenses, daqueles que abusam de relatos da protagonista em off, que revelam um certo humor ácido da mesma e que põe algumas fotos e matérias de arquivo para fomentar o discurso de que o público acompanha a história de alguém realmente incrível. Obviamente, no caso deste doc da Netflix a figura central é sim uma mulher maravilhosa, porém seria criativo buscar outros aspectos da vida de Orin ou até mesmo suas falhas para contrabalancear toda a genialidade e grandeza da artista.
É sempre bom explorar camadas de personagens. Ainda assim, Molly consegue construir um laço de empatia e proximidade com a personagem principal do curta-metragem, justamente através da própria relação que ela tem com a sua tia. São nas sequências das conversas entre as duas que uma dicotomia é estabelecida: de um lado a visão realista e firme de Orin, que se vê como uma mulher talentosa, mas comum. Do outro, há Molly, que idealiza sua tia e a coloca em um pedestal. A criação desta dualidade imprime complexidade para a narrativa do curta. A plateia compreende de forma mais profunda quem é esta única mulher da orquestra.
Até mesmo na escolha de ser contrabaixista, as marcas de personalidade forte de Orin são vislumbradas. Neste sentido, o seu amor pela arte transborda da tela e a musicista se revela não apenas humilde, mas fiel ao mundo da música. Porque ela não está ocupando este espaço por vaidade e sim por vocação. Por isso, além do discurso verbal da obra, era necessário que esse carinho genuíno fosse contemplado visualmente. É por esta razão que Molly parece escolher manter os seus planos mais abertos, com pouca movimentação de câmera, para que quem assiste consiga observar com calma o jeito habilidoso de Orin de tocar e de falar sobre sua profissão.
Inclusive, observar os deslocamentos e pausas da contrabaixista é o que há de mais cativante na produção, principalmente quando ela está tocando. Além disso, é notável como a equipe de arte e de fotografia dialoga e mantém esse universo solar, de quem traz consigo um contetamento pelas escolhas da carreira, através da manutenção ou da exploração de temperaturas mais quentes ou amadeiradas. Aqui, nesta estética, tem-se uma junção de sensação de alegria – vinda dessa concretização de uma carreira brilhante –, mais a ambientação dos espaços artísticos.
É quase possível sentir o cheiro do tablado do palco, dos tacos da sala de Ori e do piano, que quando é aberto libera um aroma muito específico. Desta maneira, ainda que A Única Mulher da Orquestra não entregue nada fora do comum, é na tradição do gênero que Molly O’Brien e sua equipe, juntamente com a figura carismática de Orin, criam uma projeção agradável, que cativa, por contar com o passado de uma mulher essencial para a música novaiorquina e estadunidense e por ser tão inspirador ao lembrar que o estar presente é deveras mais relevante do que se mostrar presente.
Direção: Molly O’Brien
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