Misturando acontecimentos verídicos registrados nos livros de História e algumas teorias da conspiração que até hoje seguem sendo discutidas, A Morte de Stalin faz uma irônica passagem pelos acontecimentos que sucederam a morte do líder político da União Soviética Josef Stalin em 1953 após reunir-se para um jantar com seus camaradas. O diretor e roteirista escocês Armando Iannucci (indicado ao Oscar pelo roteiro de Conversa Truncada) tem conseguido uma boa carreira para seu filme desde que ele passou a ser exibido em alguns festivais – até mesmo duas nomeações ao Bafta o longa conseguiu – e o filme faz jus a esta discreta e bem sucedida repercussão. Tudo aqui é muito bem conduzido.
Transformando toda a burocracia em torno da morte de Stalin numa verdadeira patifaria, o filme retrata seu quadro de personagens engravatados e conservadores como figuras patéticas que não conseguem esconder sua ganância e, por vezes, mediocridade intelectual – entre eles, ministros, militares e filhos do falecido, interpretado por um elenco afiado formado por atores como Steve Buscemi, Jeffrey Tambor e Andrea Riseborough. Iannucci divide o seu longa em atos representados pelos artigos que determinam como todos deveriam proceder na situação da morte do líder. Claro, que muito do que é determinado pela lei e lido em aspas na tela encontra nesse mosaico de personagens figuras dispostas a agir em sentido contrário ou procurar uma forma de mascarar as reais intenções das suas ações.
Um dos aspectos mais curiosos de A Morte de Stalin é como ele consegue se localizar historicamente, dimensionando a realidade que aborda e o seu tempo, mas também como estabelecendo comunicação de maneira mais ampla com o seu público, que consegue detectar nas situações sintomas um cenário parecido em outras realidades e lapsos temporais. Afinal, é para isso que a História nos serve. O que o longa retrata é a disputa ensandecida de poder a todo custo, as manobras ardilosas de políticos para tanto, as relações estabelecida na base da desconfiança mas sob a filosofia “mantenha os seus inimigos por perto”, o lugar da truculência física como ferramenta enérgica para a obtenção daquilo que se quer e, claro, o cerceamento explícito da liberdade, instaurando um clima no qual ninguém respeita seus governantes, nem mesmo aqueles que fazem parte do seu quadro de bajuladores.
O longa poderia ter sua duração reduzida, não lhe faria mal um tratamento mais enxuto já que em alguns momentos a piada parece ficar gasta. No entanto, o trabalho de Iannucci é dotado de uma acidez tão sofisticada e rápida em seu raciocínio que isso surge como um detalhe perto das horas que passamos vendo uma história tão distante de nós mas que, ao mesmo tempo, parece estar sempre à espreita nos diversos ciclos vividos pelas democracias, sempre sujeitas ao esfarelamento por aqueles que estão na sua órbita, aguardando o momento de maior fragilidade e crise para dar o “bote”. A Morte de Stalin evidencia como nenhum governo que começa com totalitarismo e qualquer tipo de violência tende a ser destituído com facilidade. Leva tempo. E até “tudo” se resolver sua população tem que lidar com um trauma que perpetua por gerações. Se ri muito em A Morte de Stalin, mas é um riso consciente e crítico que levamos como reflexão ao final da sessão.
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