A Filha Perdida

Crítica: A Filha Perdida (Netflix)

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Em sua estreia na direção de longas-metragens, Maggie Gyllenhaal (Feito em Casa) convida os espectadores a entrarem em um mundo ficcional de narrativa não linear e que transmite sensações múltiplas e complexas. É possível dizer que A Filha Perdida trata sobre diversos temas. Ela é uma produção sobre maternidade, sobre um peso específico que as mulheres cis carregam, sobre as relações humanas ou tudo isto junto também. É preciso encarar, no entanto, que esta não é uma obra fácil.

Mas, em que sentido especificamente? Adaptação da obra homônima de Elena Ferrante – feita pela própria Gyllenhaal –, há aqui uma atmosfera desconfortável criada, seja como consequência da decupagem ou por marcas imagéticas simbólicas. A começar pela seleção de planos extremamente fechados, com câmera na mão, que passam esta impressão de sufocamento vivido pelas personagens e, principalmente, por sua protagonista, Leda (Olivia Colman/Jessie Buckley).

A iluminação fomenta a sensação de aprisionamento presente naquele contexto mostrado e  se enxerga mais do que as cercam do que elas mesmo.  Não há luz alguma em seus rostos, nestes closes completamente fechados, por exemplo Imediatamente depois, Gyllenhaal abre o quadro para o geral e é possível ver com mais nitidez o que esta acontecendo na cena.

Esta estratégia parece pensada para causar este impacto entre o que há de interno e externo nas personagens e a dinâmica se mantém até o desfecho da projeção, aumentando o potencial das metáforas e significados passados na tela. Outro ponto destacável é a presença de elementos que podem criar certa repulsa, como as frutas podres ou o inseto que está no travesseiro de Leda.

A Filha Perdida

Este fator, juntamente com as seleções da direção, constroem um filme de terror em cada minuto de exibição, inclusive desde o seu início, quando Leda é colocada em uma situação de perigo intenso. A linguagem do gênero, combinada ao drama vivenciado por Leda, seja no presente ou no passado, complexificam a estrutura do enredo e criam uma suspensão durante a sessão.

Ao mesmo tempo em que há esta elaboração de suspense e medo do que está por vir na vida de Leda, as emoções dela e de seus coadjuvantes vão sendo exploradas. Existe um tempo para que as ações ocorram. Os olhares, gestos e movimentações dos intérpretes são investigados pela câmera que, mesmo em movimento, revela os sentimentos plurais de cada figura posta ali. O trabalho do elenco contribui ainda mais para esta característica, principalmente os das atrizes Olivia Colman (Meu Pai), Jessie Bluckey (Estou Pensando em Acabar com Tudo) e Dakota Johnson (50 Tons de Cinza).

Há todo um foco em emitir mais sentido no silêncio aqui. Desta maneira, as respirações e olhares são utilizados de forma meticulosa. O texto falado, em diversas sequências, é dito quase casualmente, pois são as expressões faciais que contam direta e fortemente o que estas mulheres estão pensando. São nestes detalhes que o longa cria todo um universo repleto de camadas e força.

Talvez, o único incômodo em A Filha Perdida seja a repetição dos artifícios criados pela direção e pela fotografia. É bem verdade que eles funcionam, porém a partir do final do segundo ato e início do terceiro, a reincidência desta lógica cansa um pouco, pois deixa a trama empacada, girando em círculos. No entanto, o seu desfecho é amarrado, diminuindo o impacto desta demora.

Direção: Maggie Gyllenhaal

Elenco: Olivia Colman, Dakota Johnson, Jessie Buckley, Ed Harris, Peter Sarsgaard, Dagmara Dominczyk, Paul Mescal

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