A Filha do Pescador

Crítica: A Filha do Pescador

3.5

Em sua estreia nas funções de diretor e roteirista de longas de ficção, o colombiano Edgar Alberto Deluque Jacome apresenta sinais de uma promissora carreira em A Filha do Pescador, co-produção Colômbia e Brasil. O drama conta a história de um pescador surpreendido pelo retorno de uma filha transexual. Samuel perdeu contato com Priscila desde ela saiu de casa com a mãe antes do seu processo de mudança.

Com pouquíssimos elementos à sua disposição, um único cenário e um grupo reduzido de personagens, Jacome constrói uma trama que viabiliza o desenvolvimento das relações entre seus protagonistas e seus arcos isoladamente. A situação que o diretor e roteirista impõe aos seus personagens principais é manejada de forma eficiente: Samuel e Priscila convivem forçadamente naquela aldeia de pescadores. Pai e filha são submetidos a um isolamento social com aquilo que mais lhes desestabilizam. O pescador lide cotidianamente com o seu preconceito e sua filha revive a violência de ser rejeitada por quem ela é.

Apesar da alta carga dramática presente no roteiro de A Filha do Pescador, Jacome entrega para o público um desfecho no qual algumas arestas desse complicado imbróglio familiar são aparadas e a solução passa longe da pecha de histórias LGBTQIAPN+ com encerramentos trágicos. A Filha do Pescador busca um “final feliz” sem esquecer que o contexto social dos personagens, obrigatoriamente, faz o filme passar longe de uma visão romantizada e fantasiosa do mundo, sobretudo no que tange a realidade de pessoas trans de estratos populacionais marginalizados na América Latina.

A Filha do Pescador

A Filha do Pescador também é marcado pelas ótimas atuações da sua dupla de protagonistas. Nathalia Rincón modula de forma acertada as reações de Priscila a um contexto transfóbico, sempre presente em cena com uma expressão corporal que sinaliza o acuamento da personagem diante do ambiente hostil que a cerca. No extremo, encontramos Roamir Pineda interpretando Samuel como um homem simples e virtuoso, mas rude, que tem dificuldade para se expressar. Em Samuel, o preconceito é seu ponto mais limitante e Pineda consegue compô-lo de forma sensível, especialmente nos momentos em que o personagem não tem um diálogo sequer, requerendo do ator a condução complexa de um turbilhão de emoções que toma conta de um homem que está sempre reprimindo seus sentimentos. Juntos, Nathalia Rincón e Roamir Pineda desenvolvem muito bem os pontos de colisão entre esses dois personagens, sendo certeiros no desfecho de suas jornadas com uma conciliação conduzida com muita sensibilidade por ambos.

A Filha do Pescador apresenta algo que muitas vezes falta em algumas produções brasileiras recentes, extremamente bem intencionadas, mas executadas com algumas carências aqui e ali: a junção entre a urgência de responder às demandas sociais do seu tempo com a composição de um ótimo roteiro que compreenda a importância de um bom desenvolvimento dramatúrgico. O filme de Edgar Alberto Deluque Jacome faz o espectador refletir sobre uma transfobia estruturada em uma masculinidade nociva ao engajá-lo no drama palpável de pai e filha, personagens construídos na tela como figuras humanas com arcos que envolvem o espectador com suas histórias e estabelecem vínculos afetivos com quem está do lado de cá da tela.

Direção: Edgar Alberto Deluque Jacome

Elenco: Modesto Lacen, Henry Barrios, Jesús Romero

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